São Paulo, quinta, 14 de janeiro de 1999

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CELSO PINTO

Persistem dúvidas sobre o câmbio

Ao abrir a banda cambial e fazer uma desvalorização limitada, o governo fez ontem, provavelmente, a última tentativa de mudar o câmbio de forma controlada. É uma aposta que o presidente Fernando Henrique Cardoso pretendia ter feito em dezembro, num contexto melhor e com outra equipe. O grampo do BNDES atrapalhou os planos.
Hoje, com menos reservas e uma situação política muito mais frágil, a grande dúvida dos mercados, aqui e no exterior, é se será possível conter a desvalorização. O sentimento geral, ontem, era de que será muito difícil evitar mais pressões e, se elas acontecerem, a linha de defesa possível do Brasil está muito frágil.
Os vice-ministros das Finanças dos países mais ricos, o G-7, fizeram uma reunião telefônica ("conference call") ontem para discutir o caso do Brasil, segundo uma fonte de Londres. Um dos participantes disse a esta fonte que o sentimento geral foi o de que será difícil ao Brasil evitar uma desvalorização adicional, apesar da resistência do governo.
Os próximos dias serão cruciais, e o grande indicador do futuro será o tamanho da saída de dólares. Ontem, o resultado parcial, às 19h30, era de uma saída de US$ 1 bilhão, menor do que chegou-se a temer. Se ela continuar superior a US$ 1 bilhão ao dia, as dúvidas vão crescer, e as apostas contra o real podem aumentar.
O governo começou a discutir mais seriamente uma mudança no câmbio desde setembro, no meio do furacão criado pela crise russa. Na época, Luiz Carlos Mendonça de Barros chegou a defender uma centralização cambial, ou seja, um controle sobre as saídas de dólares, junto com uma mudança no regime cambial.
Foi voto vencido em relação à centralização. O câmbio continuou igual, decidiu-se fazer um acordo com o FMI e pedir ajuda aos países do G-7. A idéia de mudar o câmbio, contudo, não morreu.

O plano de dezembro
Pelo que a coluna apurou, a intenção passou a ser a de mudar o câmbio em dezembro, como um de vários movimentos que caracterizariam uma mudança de rota para o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Quatro personagens eram cruciais.
André Lara Resende, que estava na presidência do BNDES, seria deslocado para a chefia do novo Conselho de Assessores Econômicos do presidente. Resende já vinha sendo, desde 97, talvez o mais influente assessor econômico do presidente, com quem mantinha relação pessoal e estreita.
Experiente economista, Resende tem um ótimo trânsito internacional. É amigo do poderoso subsecretário do Tesouro americano, Larry Summers, com quem discutiu longamente o formato do pacote de ajuda externa brasileira numa viagem aos Estados Unidos, no fogo da crise russa. Tem, também, uma ótima relação com Stanley Fischer, segundo homem- forte do FMI. A presença de Resende daria retaguarda técnica forte e abriria pontes internacionais.
A segunda peça importante era Luiz Carlos Mendonça de Barros, que comandaria o novo Ministério da Produção. Teria forte apoio do presidente e um status comparável ao do ministro da Fazenda, Pedro Malan. Montaria a "agenda positiva" do novo mandato, que a nova política cambial apoiaria, sem comprometer a essência do ajuste econômico.
Seu irmão, José Roberto Mendonça de Barros, comandaria o esforço exportador necessário para dar consistência à estratégia. A presidência do Banco Central iria para Francisco Lopes.
A idéia de abrir a banda cambial embute dois objetivos. Um é aumentar a volatilidade das cotações e, portanto, aumentar o risco de especular contra o real. Outro é acelerar a desvalorização, se houver pressão de saída de dólares, ajudando a melhorar a competitividade.
Se os mercados aceitarem a mudança bem e confiarem que não haverá mudança adicional, ótimo. Como o governo anunciou que a desvalorização futura será menor (3% em um ano, se a cotação ficar pressionada o tempo todo), há um espaço teórico para baixar um pouco mais os juros.
O ingrediente essencial para a estratégia funcionar, contudo, é a confiança. Em dezembro, vários fatores ajudavam. O Brasil tinha concluído um pacote inédito e maior do que se esperava (US$ 41 bilhões) de ajuda externa. O ajuste fiscal estava anunciado, com o aval do FMI, e o Congresso ainda não tinha rejeitado nenhuma medida. O mercado internacional estava mais tranquilo.
Além de tudo isso, o Brasil tinha mais US$ 5,2 bilhões de reservas. Como diz o diretor de um banco de investimentos americano, em Nova York, "cada dólar perdido é um dólar a menos de credibilidade".
O grampo do BNDES e a falta de claro apoio do governo acabaram afastando Resende e os irmãos Barros do governo, desmontando o coração da equipe que deveria ajudar a construir o segundo mandato. A mudança do câmbio foi adiada e acabou acontecendo com menos reservas, depois da moratória de Itamar, de novas derrotas no Congresso e dúvidas sobre a coesão política.

Ceticismo
O mercado olhou a mudança cambial com ceticismo. Um banqueiro lembrou que a abertura da banda foi pequena demais para cumprir seus objetivos. Como ajuda na competitividade, os 9% de desvalorização inicial são pouco e podem até ser menos do que isso se baixar a pressão sobre o câmbio e a cotação recuar.
Como desestímulo à especulação, é ainda menos eficaz. Outro banqueiro americano diz que, com 8% de distância na banda, apostar contra o real é "uma via de uma mão: a chance de o real se valorizar é mínima e o ganho com uma desvalorização seria grande".
Abrem-se, também, inúmeras oportunidades de ganhar dinheiro para quem tirar dólares do país. Um exemplo é o mercado futuro de reais em Chicago. Ontem, podia-se vender uma posição de dólares para fevereiro por R$ 1,40 por dólar em Chicago. Aqui, Banco Central vendeu dólares no mercado "pronto", para entrega imediata, a R$ 1,32 por dólar.
Quem tomasse um empréstimo em reais para comprar dólares do BC a R$ 1,32 teria um custo total de R$ 1,34 até o vencimento de fevereiro. Vendendo, de imediato, a R$ 1,40 em Chicago, esse mesmo dólar de fevereiro, o investidor estaria ganhando 4% nesse curto espaço de tempo, ou o equivalente a 85% ao ano.
Enquanto a insegurança mantiver as cotações futuras de reais altas e a remuneração dos títulos brasileiros no exterior muito elevada, haverá enorme estímulo para brasileiros (bancos, empresas, indivíduos) tirarem dólares do país. Daí por que é crucial, para o novo regime ter sucesso, haver uma reversão imediata e forte de expectativas.
Apesar do enorme susto inicial, a reação no exterior acabou não sendo desastrosa, por três razões, na visão de um banqueiro de Nova York: 1) não foi uma surpresa, como em outras crises; 2) por isso, os investidores institucionais americanos, de forma geral, já haviam tomado suas precauções contra desvalorizações no Brasil; e, 3) não havia "alavancagem" nas aplicações no Brasil.
O "contágio" da crise brasileira, portanto, deve ser menor do que o gerado pelo México (94), Ásia (97) e Rússia (98). É melhor para o Brasil que não haja pânico, mas isso, em si, não resolve o problema.
Gustavo Franco, desde o início, defendia a tese, no governo, de que o câmbio valorizado era uma forma de pressionar por um ajuste fiscal, mais à frente, que corrigiria as distorções. O ajuste nunca veio e o custo de adiar o ajuste cambial cresceu exponencialmente, a cada ano e a cada nova crise. A enorme torcida, agora, é que seja possível limitar o custo.



e-mail: celpinto@uol.com.br




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