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CELSO PINTO
Persistem dúvidas sobre o câmbio
Ao abrir a banda cambial e fazer uma desvalorização limitada,
o governo fez ontem, provavelmente, a última tentativa de mudar o câmbio de forma controlada.
É uma aposta que o presidente
Fernando Henrique Cardoso pretendia ter feito em dezembro, num
contexto melhor e com outra equipe. O grampo do BNDES atrapalhou os planos.
Hoje, com menos reservas e uma
situação política muito mais frágil, a grande dúvida dos mercados,
aqui e no exterior, é se será possível conter a desvalorização. O sentimento geral, ontem, era de que
será muito difícil evitar mais pressões e, se elas acontecerem, a linha
de defesa possível do Brasil está
muito frágil.
Os vice-ministros das Finanças
dos países mais ricos, o G-7, fizeram uma reunião telefônica
("conference call") ontem para
discutir o caso do Brasil, segundo
uma fonte de Londres. Um dos
participantes disse a esta fonte que
o sentimento geral foi o de que será
difícil ao Brasil evitar uma desvalorização adicional, apesar da resistência do governo.
Os próximos dias serão cruciais,
e o grande indicador do futuro será o tamanho da saída de dólares.
Ontem, o resultado parcial, às
19h30, era de uma saída de US$ 1
bilhão, menor do que chegou-se a
temer. Se ela continuar superior a
US$ 1 bilhão ao dia, as dúvidas
vão crescer, e as apostas contra o
real podem aumentar.
O governo começou a discutir
mais seriamente uma mudança no
câmbio desde setembro, no meio
do furacão criado pela crise russa.
Na época, Luiz Carlos Mendonça
de Barros chegou a defender uma
centralização cambial, ou seja, um
controle sobre as saídas de dólares,
junto com uma mudança no regime cambial.
Foi voto vencido em relação à
centralização. O câmbio continuou igual, decidiu-se fazer um
acordo com o FMI e pedir ajuda
aos países do G-7. A idéia de mudar o câmbio, contudo, não morreu.
O plano de dezembro
Pelo que a coluna apurou, a intenção passou a ser a de mudar o
câmbio em dezembro, como um de
vários movimentos que caracterizariam uma mudança de rota para o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Quatro personagens eram cruciais.
André Lara Resende, que estava
na presidência do BNDES, seria
deslocado para a chefia do novo
Conselho de Assessores Econômicos do presidente. Resende já vinha sendo, desde 97, talvez o mais
influente assessor econômico do
presidente, com quem mantinha
relação pessoal e estreita.
Experiente economista, Resende
tem um ótimo trânsito internacional. É amigo do poderoso subsecretário do Tesouro americano, Larry
Summers, com quem discutiu longamente o formato do pacote de
ajuda externa brasileira numa
viagem aos Estados Unidos, no fogo da crise russa. Tem, também,
uma ótima relação com Stanley
Fischer, segundo homem- forte do
FMI. A presença de Resende daria
retaguarda técnica forte e abriria
pontes internacionais.
A segunda peça importante era
Luiz Carlos Mendonça de Barros,
que comandaria o novo Ministério
da Produção. Teria forte apoio do
presidente e um status comparável
ao do ministro da Fazenda, Pedro
Malan. Montaria a "agenda positiva" do novo mandato, que a nova política cambial apoiaria, sem
comprometer a essência do ajuste
econômico.
Seu irmão, José Roberto Mendonça de Barros, comandaria o esforço exportador necessário para
dar consistência à estratégia. A
presidência do Banco Central iria
para Francisco Lopes.
A idéia de abrir a banda cambial
embute dois objetivos. Um é aumentar a volatilidade das cotações
e, portanto, aumentar o risco de
especular contra o real. Outro é
acelerar a desvalorização, se houver pressão de saída de dólares,
ajudando a melhorar a competitividade.
Se os mercados aceitarem a mudança bem e confiarem que não
haverá mudança adicional, ótimo.
Como o governo anunciou que a
desvalorização futura será menor
(3% em um ano, se a cotação ficar
pressionada o tempo todo), há um
espaço teórico para baixar um
pouco mais os juros.
O ingrediente essencial para a
estratégia funcionar, contudo, é a
confiança. Em dezembro, vários
fatores ajudavam. O Brasil tinha
concluído um pacote inédito e
maior do que se esperava (US$ 41
bilhões) de ajuda externa. O ajuste
fiscal estava anunciado, com o
aval do FMI, e o Congresso ainda
não tinha rejeitado nenhuma medida. O mercado internacional estava mais tranquilo.
Além de tudo isso, o Brasil tinha
mais US$ 5,2 bilhões de reservas.
Como diz o diretor de um banco de
investimentos americano, em Nova York, "cada dólar perdido é um
dólar a menos de credibilidade".
O grampo do BNDES e a falta de
claro apoio do governo acabaram
afastando Resende e os irmãos
Barros do governo, desmontando
o coração da equipe que deveria
ajudar a construir o segundo mandato. A mudança do câmbio foi
adiada e acabou acontecendo com
menos reservas, depois da moratória de Itamar, de novas derrotas
no Congresso e dúvidas sobre a
coesão política.
Ceticismo
O mercado olhou a mudança
cambial com ceticismo. Um banqueiro lembrou que a abertura da
banda foi pequena demais para
cumprir seus objetivos. Como ajuda na competitividade, os 9% de
desvalorização inicial são pouco e
podem até ser menos do que isso se
baixar a pressão sobre o câmbio e
a cotação recuar.
Como desestímulo à especulação, é ainda menos eficaz. Outro
banqueiro americano diz que, com
8% de distância na banda, apostar
contra o real é "uma via de uma
mão: a chance de o real se valorizar é mínima e o ganho com uma
desvalorização seria grande".
Abrem-se, também, inúmeras
oportunidades de ganhar dinheiro
para quem tirar dólares do país.
Um exemplo é o mercado futuro de
reais em Chicago. Ontem, podia-se
vender uma posição de dólares para fevereiro por R$ 1,40 por dólar
em Chicago. Aqui, Banco Central
vendeu dólares no mercado "pronto", para entrega imediata, a R$
1,32 por dólar.
Quem tomasse um empréstimo
em reais para comprar dólares do
BC a R$ 1,32 teria um custo total
de R$ 1,34 até o vencimento de fevereiro. Vendendo, de imediato, a
R$ 1,40 em Chicago, esse mesmo
dólar de fevereiro, o investidor estaria ganhando 4% nesse curto espaço de tempo, ou o equivalente a
85% ao ano.
Enquanto a insegurança mantiver as cotações futuras de reais altas e a remuneração dos títulos
brasileiros no exterior muito elevada, haverá enorme estímulo para brasileiros (bancos, empresas,
indivíduos) tirarem dólares do
país. Daí por que é crucial, para o
novo regime ter sucesso, haver
uma reversão imediata e forte de
expectativas.
Apesar do enorme susto inicial, a
reação no exterior acabou não
sendo desastrosa, por três razões,
na visão de um banqueiro de Nova
York: 1) não foi uma surpresa, como em outras crises; 2) por isso, os
investidores institucionais americanos, de forma geral, já haviam
tomado suas precauções contra
desvalorizações no Brasil; e, 3) não
havia "alavancagem" nas aplicações no Brasil.
O "contágio" da crise brasileira,
portanto, deve ser menor do que o
gerado pelo México (94), Ásia (97)
e Rússia (98). É melhor para o Brasil que não haja pânico, mas isso,
em si, não resolve o problema.
Gustavo Franco, desde o início,
defendia a tese, no governo, de que
o câmbio valorizado era uma forma de pressionar por um ajuste fiscal, mais à frente, que corrigiria as
distorções. O ajuste nunca veio e o
custo de adiar o ajuste cambial
cresceu exponencialmente, a cada
ano e a cada nova crise. A enorme
torcida, agora, é que seja possível
limitar o custo.
e-mail: celpinto@uol.com.br
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