São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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BOM CONSELHO

Governo muda regra para nomeações na VBC, Vale e Unipar, companhias em que o banco tem participação acionária
BNDES politiza indicações em empresas

ELVIRA LOBATO
CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), sob a gestão petista, mudou a norma interna que proibia a indicação de pessoas de fora do banco para representá-lo em conselhos de administração de empresas privadas.
Marcelo Sereno, assessor especial do ministro José Dirceu, e Marcelo Barbieri, ex-assessor parlamentar da Casa Civil, participam, respectivamente, dos conselhos de administração da VBC Energia (empresa dos grupos Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa) e da Inepar como representantes da BNDESPar (BNDES Participações).
Há mais cinco pessoas em situação semelhante, entre elas o ministro Jaques Wagner (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social) e o secretário Nacional de Organização do PT, Sílvio José Pereira, uma das principais lideranças do partido e também ligado ao ministro José Dirceu.
Segundo listagem fornecida pelo BNDES, a BNDESpar indica conselheiros de 28 empresas. Em 21 delas, os representantes são funcionários do banco.
O ministro Jaques Wagner foi indicado conselheiro da Companhia Vale do Rio Doce, enquanto Sílvio Pereira está no conselho de administração da empresa Multiportos Operadora Portuária, do Rio de Janeiro.
O BNDES e as empresas não informam o salário que os indicados recebem como conselheiros. ""Sobre isso, o banco não vai se manifestar", afirmou a assessoria do presidente da instituição, Carlos Lessa.
O BNDES disse também que não informa os critérios para a escolha dos representantes alheios ao seu quadro funcional.

Norma
Em 1987, no governo de José Sarney, o banco baixou uma norma proibindo que seus funcionários indicados para cargos em conselho de administração de empresas recebessem remuneração por esse serviço, o que persiste até hoje. Essa norma não se aplica aos conselheiros de fora.
O ex-presidente do banco responsável pela regra, Márcio Fortes, disse que baixou a norma para acabar com a disputa interna que havia dentro da instituição por cargos remunerados em conselhos de empresas nas quais o banco tinha participação.
Segundo Fortes, a norma foi além e proibiu também que pessoas de fora do banco fossem conselheiros das empresas em nome do BNDES.
Mas em relação a isso há controvérsia. A atual direção do banco afirma que a indicação de pessoas de fora foi expressamente proibida apenas em setembro de 2002. O ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, que presidiu o banco nos anos de 96 e 97, afirmou que, na sua época, já existia tal proibição.
De qualquer modo, quando o PT assumiu o governo, havia uma norma escrita no BNDES impedindo a escolha de pessoas estranhas ao seu quadro funcional para representá-lo na administração de empresas que têm a BNDESPar como acionista.
A direção do banco disse que mudou a norma em março de 2003, por considerar que não há impedimento estatutário para a indicação de pessoas de fora.

Escolha política
Pelo menos quatro dos sete indicados pelo BNDES foram escolhidos por critério político: Marcelo Sereno, Marcelo Barbieri, Sílvio Pereira e Jaques Wagner.
Sereno ocupa uma vaga no conselho de administração da VBC Energia que nunca havia sido preenchida pelo BNDES. O banco não é acionista da companhia, mas, como possui grande volume de debêntures (títulos de dívida) conversíveis em ações, tem direito de indicar um representante no conselho da empresa. Só em novembro do ano passado usou a prerrogativa.
Wagner substituiu um funcionário do BNDES, Cláudio Moraes, no conselho da Vale do Rio Doce, em dezembro do ano passado. Segundo informações de ex-conselheiros, a remuneração na Vale é de R$ 9.000 por mês.
A remuneração varia de uma empresa para outra. O BNDES se esquiva de informar o salário de seus indicados com o argumento de que o dinheiro é desembolsado pelas empresas, não por ele.
Apenas três dos sete indicados falaram sobre o caso à Folha: José Gelázio da Rocha -conselheiro da CBEE (Comercializadora Brasileira de Energia Comercial)-, Francelino Lamy Miranda Grando -conselheiro da Copel (Companhia Paranaense de Energia)- e o ex-deputado federal Marcelo Barbieri (PMDB-SP) -conselheiro da Inepar S.A. Indústria e Construções. Só Rocha revelou seu salário, de R$ 1.500 por mês.
A recusa do BNDES em revelar o critério de escolha e os salários dos indicados é criticada por Cláudio Weber Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil, organização não-governamental associada à Transparência Internacional, dedicada ao combate à corrupção.
""Se o BNDES se recusa a dar informação, é inevitável que se levantem dúvidas a respeito da propriedade desse arranjo. A recusa por si levanta suspeita", afirmou.
Ele questiona também a posição das empresas, que não divulgam a remuneração dos conselheiros: ""Há uma pressão crescente no mundo para que as empresas prestem contas ao público".
"Acho isso uma vergonha", disse o ex-ministro Mendonça de Barros.
"São empresas onde o banco [BNDES] é sócio e a representação só faz sentido se for para defender seu interesse. Não é nenhuma benesse", afirmou.



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