São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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Núcleo de inflação, sem preços administrados e efeitos sazonais, subiu 8%; IPCA cheio foi de 9,3%

Pela regra do Fed, BC acertaria meta em 2003

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

Se o BC (Banco Central) tivesse adotado em 2003 o núcleo de inflação como parâmetro para o regime de metas, teria atingido seu objetivo. O índice ficou em 8%, menos do que o IPCA "cheio" de 9,30%. A meta ajustada era de 8,5%.
O cálculo é do Grupo de Conjuntura da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e o modelo usado é o de exclusão -que retira do índice alimentos, tarifas públicas e preços administrados (energia, combustíveis, telefonia e outros). Esse é o núcleo que o Fed (BC dos EUA) usa informalmente como parâmetro para a inflação -lá, não há uma meta explícita.
Para alguns especialistas ouvidos pela Folha, o sistema permite mais flexibilidade à política monetária. Ou seja: os juros não precisam subir tanto ou deixar de cair para conter o consumo e, conseqüentemente, a inflação.
Já na análise de outros economistas, o intervalo de tolerância -de 2,5 pontos percentuais para cima ou para baixo- adotado pelo BC assegura um bom manejo da política monetária. Há um consenso, porém, de que o regime de metas é o mecanismo mais eficiente para combater a inflação.
Para Carlos Thadeu de Freitas Filho, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ao adotar o índice "cheio" o BC acaba combatendo a inflação "com o remédio errado". Segundo ele, as mudanças na taxa de juro não afetam as tarifas públicas, principais responsáveis pelo aumento da inflação nos últimos anos e cujos preços são indexados -sobem independentemente da demanda.
O ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, entretanto, acha que não é a hora de mexer no regime de metas. "Determinar um núcleo é bastante arbitrário. Fica menos transparente. A inflação que a sociedade percebe é a cheia", disse.
Para Loyola, o regime de metas no país ainda é bastante recente para utilizar um índice expurgado. O intervalo de tolerância, diz, assegura ao BC uma margem para lidar com eventuais choques.

Tarifas
A cada ano, o peso das tarifas aumenta no IPCA. Era de 20,1% em 1999, contra 79,9% dos preços livres -estes, sim, sujeitos aos efeitos da política monetária e ao nível de atividade econômica. Em 2003, a participação dos chamados preços administrados no índice subiu para 28,6%.
O motivo é que eles sobem sempre mais do que a inflação média. Em 2003, os preços administrados subiram 13,2%. Os preços livres, 7,8%. Desde 1999, as tarifas sempre aumentaram mais do que os preços de mercado.
Para Loyola, o problema das tarifas é o indicador de correção: "A indexação pelo IGP-M [Índice Geral de Preços do Mercado, da Fundação Getúlio Vargas, definida nos contratos de privatização] foi um equívoco. É um índice muito influenciado pelo câmbio".
Loyola sugere uma negociação com as concessionárias de energia e telefonia para mudar para um índice setorial, que reflita os custos de cada setor.
Segundo Alexandre Sant'Anna, da administradora de recursos ARX, o erro do governo neste ano foi a meta fixada -responsabilidade da Fazenda, não do BC. "Ninguém mais duvida que o BC é transparente e tem credibilidade. O problema é que a meta deste ano é muito ambiciosa."
Freitas Filho concorda que a meta, de 5,5%, é baixa. As projeções apontam inflação de cerca de 6,5% neste ano. "Não dá para sair de uma inflação de 9,3% num ano e no seguinte reduzi-la num período tão curto."
Para Loyola, a meta de 2004 é factível: "Será ambicioso baixar a inflação ainda mais nos próximos anos". Uma das principais dificuldades é a fragilidade externa, que torna instável a taxa de câmbio, diz. A meta para 2005 é de 4,5%.
Na avaliação do economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, há uma preocupação excessiva com a taxa de juro, cujo efeito é superdimensionado. "Em 2000, o juro real era maior e o país cresceu. Existe uma série de outras condições para o crescimento: questões regulatórias, um ambiente favorável aos negócios etc." Em 2000, o PIB subiu 4,36%. Em 2003, houve queda de 0,2%.
Uma outra possibilidade para aperfeiçoar o sistema de metas é deixar de usar o ano calendário como referência e substituí-lo por uma meta de 12 meses, segundo Sérgio Lima, da administradora de recursos Mellon. Com isso, diz, o BC não precisaria "correr" no começo do ano (período no qual sazonalmente a inflação sobe com chuvas, mensalidades escolares e tributos), apertando a política monetária para cumprir a meta.



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