São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 2008

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Prendam o mordomo...

Taxar o capital externo é um crime contra o Tesouro, que será o principal prejudicado ao pagar juros mais altos

O GOVERNO Lula assustou-se com a queda do saldo comercial e o aumento do déficit em nossa conta corrente. Ao ver sua lua-de-mel com a economia ameaçada pela volta da fragilidade externa, o presidente autorizou uma série de medidas para reduzir a valorização de nossa moeda e estimular as exportações. A desoneração das exportações e o fim da cobertura cambial são medidas acertadas. Já o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre investimentos em renda fixa é um grande erro.
O valor de nossas exportações está crescendo neste primeiro trimestre de 2008 a taxas superiores a 15%. Como o dólar não está se desvalorizando apenas em relação ao real e os preços das exportações brasileiras estão subindo, os danos da valorização do real são minimizados. Temos que olhar então para o outro lado de nosso comércio exterior para explicar a queda do saldo comercial. As importações estão crescendo a mais de 50% ao ano. Esse aumento é fruto de duas forças que estão agindo sobre a economia.
A primeira tem sua origem no processo de transformação do Brasil em uma economia aberta. É um ajuste bem-vindo, pois aumenta a eficiência dos mercados: as importações são um mecanismo adicional no controle da inflação e modernização do parque produtivo, permitindo que nossas empresas aumentem seus investimentos com tecnologia de ponta e a preços vantajosos.
Com o tempo, vamos estabilizar o coeficiente de importação e chegaremos a um ponto de equilíbrio.
A segunda força por trás de nossas importações é o incrível crescimento do consumo interno. No último trimestre de 2007, ele superou 8% ao ano, velocidade que está mantida nestes primeiros três meses de 2008. Aqui está um problema que certamente não foi discutido com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para os economistas ligados ao PT, o excesso de consumo não é um problema real a ser enfrentado, tese que é acolhida com entusiasmo pelo governo.
Estamos entrando em um campo minado, pois quem conhece um pouco o brasileiro-consumidor sabe que esse processo só terminará se algo forte acontecer. No passado, o limite era dado por queda de reservas, crise cambial e inflação. Mas, hoje, com a nova posição de credor externo, o limite levará muito tempo para ser atingido.
E aqui temos o ponto para o qual o presidente deveria ter sido alertado: o consumo das famílias e os gastos públicos continuam em aceleração demasiada. Se nada for feito para reduzir esse dinamismo, vamos acabar tendo a combinação de dois movimentos: deterioração de nosso saldo comercial e, mais à frente, aumento da inflação. Já escrevi à exaustão que o melhor caminho para evitar esse cenário seria o governo reduzir seus gastos de forma expressiva, diminuindo as pressões sobre o tecido produtivo. Se isso não for feito, caberá ao Banco Central a tarefa de esfriar o excesso de entusiasmo que vemos hoje. Estamos falando então, infelizmente, de um aumento importante da taxa Selic.
Quanto à valorização do real, o governo está agindo como o policial preguiçoso que, diante de um crime de difícil solução, ordena que prendam o mordomo. No caso, o investidor internacional, que está sendo erroneamente culpado pela valorização da taxa de câmbio. Aliás, a taxação do capital internacional é um crime contra o Tesouro Nacional, que será o principal prejudicado ao pagar juros mais altos para se financiar.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


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