São Paulo, sábado, 14 de março de 2009

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ROBERTO RODRIGUES

Química presidencial


Que a "química" entre Lula e Obama contribua para a construção do mercado global de biocombustíveis


O S PRESIDENTES Lula e Obama se reúnem hoje, em Washington, e tentarão acertar os ponteiros na direção de uma agenda comum. O agronegócio brasileiro tem muito interesse no resultado dessa reunião, devido a um grande número de itens que afetam o setor. O cumprimento, por parte dos americanos, da decisão da OMC que determina a redução dos subsídios ao algodão é um tema, bem como a abertura do mercado deles à nossa carne verde e a redução das tarifas sobre nosso suco de laranja. Mas há dois deles que são de fundamental importância: a conclusão positiva da Rodada Doha, que significaria aumento do comércio agrícola mundial, e a importação, pelos EUA, do nosso álcool. O primeiro encontra resistência entre os países desenvolvidos por causa dessa nova onda de protecionismo determinada pela crise econômica global, que objetiva reduzir o desemprego, a quebra de empresas nacionais desses países e a própria recessão. O presidente Obama, em linha com outras lideranças primeiro-mundistas, tem falado contra o protecionismo que distorce mercados, mas isso precisa ser posto em prática. Já a questão do álcool é aparentemente menos complicada. Há pelo menos duas grandes razões para os EUA comprarem nosso produto. A primeira, apontada pela Comissão Internacional de Biocombustíveis, é que, pela legislação sobre energia votada em 2007, os americanos precisarão de 36 bilhões de galões de álcool no ano de 2022, cerca de 130 bilhões de litros, quase cinco vezes mais o que podem produzir hoje. E a Flórida sozinha adotou a meta de 10% de álcool em toda a sua gasolina já no ano de 2010. Produzir 36 bilhões de galões já era bastante difícil antes da crise, principalmente porque a matéria-prima para o álcool americano é o milho, e aí há uma certa disputa com alimentos. Até por isso eles investem vigorosamente na pesquisa de álcool de celulose, com resultados que virão no médio prazo. Por causa disso, saiu o acordo entre Brasil e EUA, para estimularem juntos a produção de álcool da cana em países da América Central e do Caribe, onde projetos vêm sendo desenvolvidos com a ajuda da Fundação Getulio Vargas. Com a crise, os preços do petróleo caíram, bem como os do milho. Indústrias de álcool haviam comprado o cereal a US$ 5/bushel no mercado futuro e ficaram no prejuízo com a queda dos preços. Com o petróleo barato, perderam competitividade e muitas fecharam. Isso tudo complicou ainda mais a meta para 2022, e o Brasil pode ser o grande supridor da demanda não resolvida internamente, com um projeto negociado e crescente ano a ano. A segunda razão é ainda mais importante, vem sendo amplamente divulgada pela Unica e tem a ver com o aquecimento global. É sabido que o álcool produzido pela cana -considerado todo o ciclo, desde o plantio até a queima do combustível- emite apenas 11% do CO2 emitido pela gasolina. Desde 2003, o uso do álcool em carros flex no Brasil evitou a emissão de 42 milhões de toneladas CO2, equivalentes, segundo a entidade, ao efeito de 143 milhões de árvores durante 20 anos! Eis uma vantagem extraordinária para o ambiente, tema para o qual o presidente Obama tem sido muito mais sensível que seu antecessor. Esperamos que a "química" entre os dois presidentes, hoje, seja também maior que a que havia entre Lula e Bush. E contribua para a construção do tão sonhado mercado global de biocombustíveis.


ROBERTO RODRIGUES , 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.






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