São Paulo, domingo, 14 de março de 2010

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Com Lessa, BNDES negociou o controle da Eletronet em 2003

Banco atuou para que AES cedesse participação na empresa a ex-cliente de Dirceu

JULIO WIZIACK
MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL

Um documento comprova que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) negociou, em 2003, na gestão de Carlos Lessa, o controle da Eletronet, empresa com uma rede de 16 mil quilômetros de fibras ópticas que o governo quer utilizar como "espinha dorsal" do PNBL (Plano Nacional de Banda Larga).
O conteúdo do documento, ao qual a Folha teve acesso, contraria a versão oficial do BNDES. Em carta enviada ao jornal, no último dia 2, a presidência do banco afirmara não ter negociado a Eletronet, mas somente uma solução para a empresa americana AES em seus outros negócios no Brasil.
Em 2003, eram sócios da Eletronet o governo, por meio da Lightpar, com 49% de participação, e a AES, com 51%. Uma crise financeira na matriz havia levado a companhia norte-americana a suspender pagamentos ao BNDES, deixando uma dívida de US$ 1,2 bilhão.
O documento comprova que a negociação envolveu a Eletronet, e a Folha apurou que foi assinado diante de Nelson dos Santos, que atuava naquela ocasião como consultor da AES Corporation, escalado pelo próprio presidente mundial da companhia, Joseph Brandt.
Consultado novamente, o BNDES se limitou a dizer, por meio de nota, que "reafirma o êxito do processo de negociação para recuperação de crédito inadimplente da AES".

Fator Dirceu
Há três semanas, a Folha revelou que Santos, interessado na eventual reativação da Telebrás e da Eletronet, proposta pelo governo Lula, pagara R$ 628 mil de consultoria ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. Revelou ainda a atuação de Santos no BNDES para definir o destino da Eletronet.
O que não se sabia era do peso da participação do próprio BNDES nessa operação. Chamado de Instrumento Particular de Transação de Outras Avenças, o documento que sacramentou a negociação foi assinado em 22 de dezembro de 2003, uma semana antes do anúncio do acordo com a AES.
Nele, o grupo norte-americano aceitou as condições impostas pelo BNDES, que solicitou sua retirada da Eletronet para aprovar a reestruturação. Essa saída poderia ocorrer de duas formas. A primeira, dando preferência à Lightpar, que poderia exercer o direito de compra da participação da americana até 28 de abril de 2004. Caso não houvesse interesse, a AES teria de vender por R$ 1 sua participação na Eletronet a terceiros indicados pelo BNDES.
Com a desistência da Lightpar em exercer sua opção de compra, anunciada em 10 de março de 2004, a AES repassou sua participação ao grupo Contém, que se efetivou na Eletronet em 30 de junho de 2004.
O Contém pertence ao empresário Ítalo Hamilton Barioni, que, em fevereiro de 2005, transferiu metade de sua empresa a Nelson dos Santos, sem qualquer desembolso.
A chegada do Contém na Eletronet ocorreu após o início dos debates sobre a reativação da Telebrás e da Eletronet, empresa que já estava em processo de falência e que o governo pensava em sanear para usar como pivô do atual PNBL -uma ideia apresentada por Luiz Gushiken, então secretário de comunicações da Presidência da República. José Dirceu, então ministro da Casa Civil, nega, mas participou ativamente desse debate.
Em 2005, Dirceu deixou o cargo, acusado de ser o mentor do escândalo do mensalão. Entre março de 2007 e outubro de 2009, o ex-ministro foi contratado por Nelson dos Santos. Ambos negam que tenha sido para lobby.
Justamente nesse período foram registradas as maiores valorizações das ações da Telebrás. Como revelou a Folha, entre 31 de dezembro de 2002 e 8 de fevereiro de 2010, os papéis da estatal das telecomunicações acumularam alta de 35.000%, considerando lucros e dividendos.
A Comissão de Valores Mobiliários investiga se investidores tiveram ganhos com o vazamento de informações de que a Telebrás e a Eletronet seriam reativadas.


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