|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Contaminação Zero?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Pickering: Have you no morals,
man?
Doolittle: Can't afford them, Governor. Neither could you if you was as
poor as me.
Bernard Shaw, "Pygmalion"
A crise política, embora grave, não contaminou os mercados financeiros. O governo Lula
enfrenta o seu pior momento,
mas a economia continua por enquanto basicamente tranqüila,
seguindo o seu padrão mais ou
menos medíocre de sempre.
Surpresa? Nem tanto. É verdade
que, normalmente, a política econômica não escapa incólume à
crise do governo que a executa.
Mas o atual governo brasileiro é
um caso muito peculiar. A política econômica corre em faixa própria e não pertence propriamente
ao presidente. Trata-se de uma
herança recebida dos tucanos
que, por sua vez, a importaram
pronta do exterior. Nesse campo,
Lula nunca chegou a tomar posse
(nem tentou). Para o bem ou para o mal, o Ministério da Fazenda
e o Banco Central são áreas interditadas, protegidas por um cordão sanitário. O único petista relevante que trafega por lá é o ministro Palocci, uma figura perfeitamente domesticada e inofensiva.
Para os mercados financeiros, a
crise política teve até um efeito
positivo: fortaleceu o ministro da
Fazenda e sua equipe. Isso porque
debilitou seriamente os setores
que, dentro do governo, procuravam (sem grande sucesso) contestar o conservadorismo da orientação macroeconômica. Amedrontado pelos escândalos e denúncias, o presidente da República vem emitindo todos os sinais e
garantias de que a política econômica continuará intacta. Ao mesmo tempo, o enfraquecimento do
PT e de várias de suas principais
lideranças contribui para consolidar a domesticação do governo.
Mesmo na hipótese de um segundo mandato para Lula, fica cada
vez mais claro que os mercados financeiros e o establishment nada
têm a temer dos atuais governantes. Os interesses estabelecidos
continuarão a ser contemplados
com o devido carinho e cuidado.
Nessas circunstâncias, volto a
dizer, chega a ser estranha a tese,
levantada por alguns setores do
governo e da esquerda, de que as
elites estariam conspirando para
derrubar o presidente. Que sentido faria, pergunto, derrubar um
governo que já lhes pertence no
essencial?
Do ponto de vista das elites, a
crise talvez tenha cumprido grande parte do seu papel: intimidou o
governo e abalou a autoconfiança de um presidente, cujo favoritismo para as eleições de 2006 era
provavelmente excessivo. Agora,
o risco de alguma descontinuidade na política econômica é ainda
menor. Praticamente desapareceu do horizonte um cenário em
que o governo Lula pudesse tentar, num segundo mandato, uma
política econômica um pouco menos acovardada e rotineira. Se
houver segundo mandato, Palocci terá, tudo indica, uma gestão
tão longa quanto a de Malan, que
foi ministro da Fazenda por oito
anos, ao longo dos dois mandatos
de FHC. Na melhor das hipóteses,
morreremos de tédio.
Só um fator perturba um pouco
esse quadro róseo, quase idílico
para os defensores do status quo:
a julgar pela pesquisa de opinião
divulgada nesta semana, a popularidade do presidente ainda não
foi afetada pelos escândalos, contrariando todas as expectativas.
O povo não parece dar tanta importância à corrupção que escandaliza a classe média moralista.
Uma reação talvez semelhante
à do personagem de Bernard
Shaw, citado na epígrafe deste artigo. Questionado por um aristocrata por causa de suas atitudes
imorais, respondeu: "Moral? Falta-me o dinheiro".
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV- EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail: pnbjr@attglobal.net
Texto Anterior: PF detém dona da Daslu acusada de sonegação Próximo Texto: Tendências internacionais - OMC: Reino Unido quer concessão à China Índice
|