São Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 2006

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Armadilha do câmbio

A alta inflação era um mal visível para todos, enquanto juro alto e câmbio baixo são males mais discretos

SE A taxa de câmbio de um país se mantiver apreciada, sua economia em pouco tempo experimentará investimentos voltados para a importação, déficit em conta corrente e, um pouco mais adiante, crise de balanço de pagamentos; se essa taxa se estabilizar em um nível relativamente depreciado ou competitivo, será o fator decisivo do desenvolvimento econômico. Não são apenas os países asiáticos dinâmicos de hoje que nos ensinam isso; no pós-guerra, a Alemanha, a Itália e o Japão também alcançaram altas taxas de crescimento porque lograram manter sua taxa de câmbio relativamente depreciada.
No Brasil, porém, o que vemos é uma forte tendência de a taxa de câmbio se apreciar. Embora aqui essa tendência seja mais acentuada, ela é comum a todos os países em desenvolvimento que aceitam a "estratégia" de crescimento com poupança externa.
Mesmo com uma balança comercial negativa, a tendência à apreciação se manifestará devido aos abundantes influxos de capitais de empréstimo e de investimento direto que financiam o déficit em conta corrente inerente a essa estratégia.
A apreciação evidentemente não é constante. Interrompe-se devido a pequenos abalos no sistema financeiro internacional e, principalmente, às crises de balanço de pagamentos decorrentes do endividamento externo público ou privado.
No Brasil, o problema se agrava porque, à pressão desses dois influxos externos, somam-se os influxos especulativos orientados para a compra de títulos do governo e para os mercados acionários. Depois da última crise, que elevou a taxa de câmbio para quase R$ 4,00 por dólar, a apreciação vem ocorrendo de forma cada vez mais preocupante.
O atual nível da taxa de câmbio, de R$ 2,17, não é compatível com o equilíbrio no médio prazo das contas externas brasileiras e inviabiliza a retomada do desenvolvimento econômico. Mesmo para a agricultura, setor em que temos vantagens naturais, essa taxa é inviável, excetuados alguns produtos como o açúcar e o álcool, cujos preços internacionais estão muito favoráveis. O que fazer diante da apreciação do real? Nada, como sugere a ortodoxia convencional, "porque o mercado afinal resolverá o problema"?
Nada, "porque a taxa de câmbio real não poderia ser administrada no longo prazo", não obstante a experiência internacional demonstre a falsidade desse pressuposto fundamentalista de mercado? Ou nada precisaria ser feito porque a política de juros que essa ortodoxia vem impondo ao Brasil há tantos anos, além de facilitar o populismo cambial, é uma armadilha que impede que o governo aja sobre a taxa de câmbio?
A última é a verdadeira resposta. A alta taxa de juros impede a administração da taxa de câmbio. Para administrá-la, os governos dispõem de dois instrumentos: a compra de reservas e sua esterilização, e, quando esse mecanismo não é suficiente, o controle da entrada de capitais.
Não tenho objeção fundamentalista a controles -afinal, esse é um mecanismo normal em algumas situações-, mas é preferível impedir a apreciação da moeda nacional pela compra de reservas. O Banco Central já comprou cerca de US$ 70 bilhões, mas essas compras são insuficientes: o governo precisaria comprar mais. Entretanto, diferentemente do que ocorre com os países asiáticos dinâmicos, o governo não pode comprar mais porque, se o fizer, acabará de quebrar o Estado brasileiro. Um país asiático paga 1% ou 2% de juros reais para financiar a compra de reservas -o mesmo preço que recebe ao aplicar suas reservas no exterior-, enquanto o Estado brasileiro paga 12%.
Fica, dessa forma, clara a armadilha do juro alto e do câmbio baixo que hoje assola a economia brasileira, como, no passado, a alta inflação o fazia. A diferença está em que a alta inflação era um mal visível para todos, enquanto juro alto e câmbio baixo são males mais discretos. A alta inflação, entretanto, só terminou quando o governo, apoiado na sociedade, adotou uma estratégia original e firme para debelá-la; agora, a mesma autonomia e a mesma determinação então demonstradas são necessárias.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 71, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br


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