|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Armadilha do câmbio
A alta inflação era um mal visível para todos, enquanto juro alto e câmbio baixo são males mais discretos
SE A taxa de câmbio de um país
se mantiver apreciada, sua
economia em pouco tempo
experimentará investimentos voltados para a importação, déficit em
conta corrente e, um pouco mais
adiante, crise de balanço de pagamentos; se essa taxa se estabilizar
em um nível relativamente depreciado ou competitivo, será o fator
decisivo do desenvolvimento econômico. Não são apenas os países
asiáticos dinâmicos de hoje que nos
ensinam isso; no pós-guerra, a Alemanha, a Itália e o Japão também
alcançaram altas taxas de crescimento porque lograram manter sua
taxa de câmbio relativamente depreciada.
No Brasil, porém, o que vemos é
uma forte tendência de a taxa de
câmbio se apreciar. Embora aqui
essa tendência seja mais acentuada,
ela é comum a todos os países em
desenvolvimento que aceitam a "estratégia" de crescimento com poupança externa.
Mesmo com uma
balança comercial negativa, a tendência à apreciação se manifestará
devido aos abundantes influxos de
capitais de empréstimo e de investimento direto que financiam o déficit em conta corrente inerente a essa estratégia.
A apreciação evidentemente não
é constante. Interrompe-se devido
a pequenos abalos no sistema financeiro internacional e, principalmente, às crises de balanço de pagamentos decorrentes do endividamento externo público ou privado.
No Brasil, o problema se agrava
porque, à pressão desses dois influxos externos, somam-se os influxos
especulativos orientados para a
compra de títulos do governo e para
os mercados acionários. Depois da
última crise, que elevou a taxa de
câmbio para quase R$ 4,00 por dólar, a apreciação vem ocorrendo de
forma cada vez mais preocupante.
O atual nível da taxa de câmbio, de
R$ 2,17, não é compatível com o
equilíbrio no médio prazo das contas externas brasileiras e inviabiliza
a retomada do desenvolvimento
econômico. Mesmo para a agricultura, setor em que temos vantagens
naturais, essa taxa é inviável, excetuados alguns produtos como o açúcar e o álcool, cujos preços internacionais estão muito favoráveis.
O que fazer diante da apreciação
do real? Nada, como sugere a ortodoxia convencional, "porque o mercado afinal resolverá o problema"?
Nada, "porque a taxa de câmbio real
não poderia ser administrada no
longo prazo", não obstante a experiência internacional demonstre a
falsidade desse pressuposto fundamentalista de mercado? Ou nada
precisaria ser feito porque a política
de juros que essa ortodoxia vem impondo ao Brasil há tantos anos,
além de facilitar o populismo cambial, é uma armadilha que impede
que o governo aja sobre a taxa de
câmbio?
A última é a verdadeira resposta.
A alta taxa de juros impede a administração da taxa de câmbio. Para
administrá-la, os governos dispõem
de dois instrumentos: a compra de
reservas e sua esterilização, e, quando esse mecanismo não é suficiente,
o controle da entrada de capitais.
Não tenho objeção fundamentalista a controles -afinal, esse é um
mecanismo normal em algumas situações-, mas é preferível impedir
a apreciação da moeda nacional pela compra de reservas. O Banco
Central já comprou cerca de US$ 70
bilhões, mas essas compras são insuficientes: o governo precisaria
comprar mais. Entretanto, diferentemente do que ocorre com os países asiáticos dinâmicos, o governo
não pode comprar mais porque, se o
fizer, acabará de quebrar o Estado
brasileiro. Um país asiático paga 1%
ou 2% de juros reais para financiar a
compra de reservas -o mesmo preço que recebe ao aplicar suas reservas no exterior-, enquanto o Estado
brasileiro paga 12%.
Fica, dessa forma, clara a armadilha do juro alto e do câmbio baixo
que hoje assola a economia brasileira, como, no passado, a alta inflação
o fazia. A diferença está em que a alta
inflação era um mal visível para todos, enquanto juro alto e câmbio
baixo são males mais discretos.
A alta inflação, entretanto, só terminou quando o governo, apoiado
na sociedade, adotou uma estratégia
original e firme para debelá-la; agora, a mesma autonomia e a mesma
determinação então demonstradas
são necessárias.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, 71, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
Texto Anterior: Pedágio baixo pode afastar investidores Próximo Texto: Governo compensará "farra fiscal" em 2007 Índice
|