São Paulo, segunda-feira, 14 de agosto de 2006

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Governo compensará "farra fiscal" em 2007

Na hipótese de nova vitória de Lula, equipe econômica manterá ajuste das contas para incentivar a queda dos juros básicos

Cenário pós-eleitoral prevê reajustes menores para salário mínimo e servidores; governo deverá propor nova reforma da Previdência


VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
SHEILA D'AMORIM
LEANDRA PERES

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Apesar de o discurso oficial negar descontrole ou mesmo excesso de gastos neste ano por causa da campanha eleitoral, o governo planeja retomar o ajuste fiscal severo em 2007, caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja reeleito.
Em público, os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) insistem em que o ritmo de liberação de recursos não é ditado pelo calendário eleitoral. No entanto, nos bastidores, admite-se que houve afrouxamento nos gastos insustentável além de 2006.
A Folha apurou que o cenário pós-eleitoral não prevê, por exemplo, aumentos generosos para o salário mínimo, aposentadorias ou servidores públicos. A expectativa é que sejam repostas apenas as perdas com a inflação e as correções previstas em lei. Cortes de gastos dos ministérios também estão entre a lista de "maldades" que o governo está preparando, depois de um ano de "bondades".
Uma nova reforma da Previdência é considerada inadiável, assim como avanços nas mudanças tributárias. A dúvida entre os assessores mais próximos do presidente Lula é se essas propostas devem ser enviadas ao Congresso logo após as eleições, em outubro, ou somente no ano que vem.
De acordo com um desses colaboradores, o presidente Lula já deu sinal verde para um início de segundo mandato mais austero. A convicção do presidente, segundo um ministro que tem participado das discussões, é que o ajuste fiscal tem que ser mantido para que os juros continuem caindo.
O governo aposta na economia com o pagamento de juros para obter recursos para investir em outras áreas.
Os defensores dessa tese argumentam que a combinação de ajuste fiscal, redução de juros e investimentos em áreas prioritárias permitirá um crescimento da economia pelo menos razoável. Apesar de não ser um boom, somente assim o Brasil manteria o crescimento e criaria bases para valores maiores nos anos seguintes.
A preocupação do governo com o crescimento dos gastos não é despropositada. No primeiro semestre, as despesas aumentaram 14%, enquanto a receita subiu 11%. Esse descompasso entre a arrecadação e os gastos fez com que o superávit primário (diferença entre receitas e despesas, exceto o pagamento de juros) do Tesouro Nacional caísse de 4,18% do PIB (soma das riquezas produzidas no país) no primeiro semestre de 2005 para 3,87% do PIB este ano.
Além disso, a generosidade do governo nos reajustes do salário mínimo (16,67%), da Previdência (5%) e dos servidores públicos aumentou as despesas de maneira definitiva. Somando todos esses ganhos, o governo terá uma despesa extra em 2007 de R$ 20 bilhões. Como será impossível cortar esses gastos, o aperto em 2007 deve atingir de maneira ainda mais severa os investimentos.

Pacote de bondades
Apesar da análise pessimista que o próprio governo faz do desempenho fiscal deste ano, o anúncio de medidas que beneficiem preferencialmente setores ou parcelas da população onde o presidente Lula tem menos votos não perderá força nos próximos meses.
Para não correr o risco de descumprir a meta de superávit primário, a equipe econômica pretende se concentrar em pacotes que não impliquem perda de receita. É o caso, por exemplo, de mudança nas regras do financiamento com desconto em folha de pagamentos para compra da casa própria.
A medida não tem custo para o Tesouro, mas pode ajudar a angariar a simpatia de funcionários públicos e militares. Como têm estabilidade, essas categorias deverão ser as mais beneficiadas com a medida.
A permissão para que os bancos incluam empréstimos habitacionais feitos com taxas de juros fixas no limite obrigatório de aplicação no setor habitacional também tem o mesmo DNA. Hoje, esses empréstimos são feitos com taxas de juros mais altas do que financiamentos indexados à TR (taxa que corrige a caderneta de poupança). É exatamente pelo custo elevado que não são muito populares entre os mutuários.
Há medidas anunciadas como tentativas de baixar os juros dos empréstimos bancários que devem ter impacto nulo, como a ampliação da central de risco de crédito do BC.
A central, que possui dados sobre quem tem dívidas com os bancos, já existe e sua ampliação não mudará muito o cenário, sem a aprovação pelo Congresso do projeto que oficializa o cadastro positivo -um banco de dados com o histórico de quem paga em dia suas contas.
Essa base também já existe, mas há dúvidas jurídicas sobre o mecanismo. A combinação das duas centrais é o que permitirá análise mais cuidadosa dos clientes para que os bancos ofereçam juros menores. A medida provisória que o governo enviou ao Congresso ainda não foi votada e a eficácia do instrumento continua comprometida, com ou sem ampliação.
A exceção à regra das medidas sem impacto fiscal será a política de incentivos para atrair investimentos no setor de semicondutores. Mas a medida ainda está sob análise.


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