São Paulo, terça-feira, 14 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lula indica que, "se necessário", governo poderá até comprar ações de bancos

Sergio Perez/Associated Press
Lula segura brinquedo dado por turista na Espanha; presidente recebeu o prêmio Dom Quixote

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem que, no limite, o governo brasileiro também poderá comprar ações de bancos em dificuldade, como estão fazendo países europeus, no que significa uma estatização parcial.
Em entrevista coletiva concedida em Toledo, pouco antes de receber o prêmio Dom Quixote, Lula primeiro elogiou a "sábia" atitude dos governantes que decidiram comprar ações dos bancos. Depois, veio a pergunta se, no Brasil, também poderiam ser compradas ações.
Resposta, na íntegra: "Depende, depende, depende se tiver um banco numa situação que avaliarmos que precisa. Primeiro, vamos fomentar outro banco para que compre sua carteira como o Banco do Brasil já comprou três. E tem disponibilidade de comprar mais. Segundo, se for necessário, faremos o redesconto via Banco Central".
Fechou o raciocínio com: "Precisamos ficar atentos".
A hipótese de copiar o modelo europeu fica reforçada por outra observação de Lula: "O que vejo de importante é que os governantes querem garantir que os correntistas estejam protegidos. É muito importante garantir que um cidadão que colocou sua aposentadoria [em uma instituição financeira] não a perca". Por esse raciocínio, fica óbvio que, se a situação em algum banco brasileiro chegar a ameaçar correntistas, o governo entraria como entrou na Europa.
A entrevista acabou se transformando quase em um comício feito de críticas duras aos bancos e de defesa do papel do Estado, a ponto de o presidente afirmar que "o sistema financeiro precisa ter consciência de que banco já ganha muito investindo honestamente na produção. Não precisa de submundo para ganhar dinheiro".
"Submundo", explicitou Lula depois, é fazer "o que se fazia com o "subprime'" (as hipotecas de alto risco nos EUA, que foram a origem da crise atual).
O presidente insistiu: "Os bancos precisam se contentar com o que ganham honestamente. Não precisa fazer cassino. Quem quiser apostar, vai jogar em Las Vegas ou em qualquer outro lugar, mas não na economia. Precisamos de produção, não de especulação".
Sempre em tom crítico, Lula afirmou: "Estamos vendo agora todos os grandes bancos do mundo que pareciam infalíveis há cinco anos atrás, que pareciam indestrutíveis há dois anos atrás, todos agora dependem do Estado para que os salve. E o Estado tem que salvar porque tem que se preocupar com os correntistas que depositaram dinheiro".
As críticas de Lula dirigiam-se muito mais ao sistema financeiro internacional do que aos bancos brasileiros. Tanto que disse: "Não podemos ter uma situação em que um banco, como nos Estados Unidos, alavanque 35 vezes o seu patrimônio líquido, quando, no Brasil, alavancamos apenas 10 -e eu já acho muito".
Sobraram críticas também para os portentosos bônus pagos a executivos de instituições financeiras. "Estabelece-se uma meta [de lucro] e o cidadão se sente no direito de facilitar o lucro para que ele possa receber um grande bônus. Isso tem que acabar para que o mundo não fique subordinado à especulação", disse Lula.
Reforçou: "Não dá para imaginar um sistema financeiro que tem asas e mais asas e, quando há uma crise, sobra para o Estado solucionar".
Conseqüência desse raciocínio, o presidente defendeu uma reforma do modelo de gerenciamento econômico do mundo, em linha com que o que vem sendo exposto por autoridades do mundo rico. "Na medida em que o mundo se globalizou, a economia se globalizou, a produção se globalizou, o sistema financeiro se globalizou, a política precisa ser globalizada".
Como? "As decisões têm que ser tiradas de um conjunto de forças políticas maiores do que hoje é o G8". Completou Lula: "Não é possível discutir assuntos importantes sem a presença do Brasil, Índia, África do Sul, Indonésia, China, México, Argentina, países que têm muita população, capacidade produtiva e são exportadores".
Apesar de ter elogiado a "sábia" intervenção dos governantes do mundo rico para acalmar os mercados, Lula imagina que "vai levar algum tempo para que as medidas comecem a surtir os efeitos que todo mundo deseja".
Apesar dessa previsão, o presidente insiste em que, "de todos os países grandes, Brics e desenvolvidos, o que menos corre risco é o Brasil". Por isso mesmo, insistiu em que o governo não vai mexer nas obras do PAC. "Tudo vai ser mantido.
Lula ressalvou que a crise pode chegar ao Brasil "ou a qualquer país do mundo", se houver uma recessão nos Estados Unidos e na Europa. "Como são grandes consumidores obviamente que isso vai causar um problema em vários países. Nesse instante, vocês podem ter o orgulho de que o Brasil está realmente preparado para enfrentar essa crise".
O presidente defendeu a tese de que o Brasil deveria criar uma "dessas agências que medem a situação econômica de cada país, especialmente as que medem o risco do Brasil".
Reclamou então: "Eu acompanho isso [a avaliação de risco] 24 horas por dia e não vi ninguém ainda aumentar o risco dos EUA. O pior é que de vez em quando aumentam o risco do Brasil. Eles quebram, fazem jogatina, causam prejuízos enormes e ainda aumentam o risco do Brasil quando deveriam aumentar o risco dos EUA ou o risco da Europa".


Texto Anterior: Ação do BC socorre também os fundos de investimento
Próximo Texto: Meirelles avalia a crise com banqueiros
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.