São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2008

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Autonomia ou soberania?


A crise mostrou que, sem regulação, a instabilidade do crédito se esgueira na sombra da estabilidade monetária


NO DIA 9 deste mês a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado promoveu audiência para tratar de projetos de lei que tratam da autonomia do Banco Central. Encarregado de uma das exposições -a outra ficou a cargo de Joaquim Levy-, cuidei de rever a vasta e variada literatura sobre o tema.
A badalada trinca Gilli, Masciandaro e Tambellini (GMT) construiu índices para avaliar o grau de autonomia política e econômica dos BCs em 18 países da OCDE. Nesse âmbito, o grau máximo é atingido se respeitados os seguintes critérios (vou resumir): 1) o presidente é indicado sem o envolvimento do governo para um mandato de prazo superior a cinco anos; 2) os diretores também são indicados sem intervenção do governo, com mandatos de mais de cinco anos; 3) não há participação de representante do governo na diretoria; 4) a formulação da política monetária não está submetida à aprovação do governo; 5) a tarefa precípua do BC é perseguir a estabilidade monetária (ou seja, não é recomendável que o BC assuma outras funções, como a supervisão das instituições financeiras ou o crescimento); 6) os conflitos entre o governo e o BC são resolvidos por dispositivos legais que fortalecem a posição da instituição diante do governo.
No livro "La Monnaie Souveraine", os economistas Michel Aglietta e André Orléan definem a existência de três lógicas articuladas que sustentam a reprodução da ordem monetária enquanto dimensão essencial da ordem social: a confiança hierárquica, a confiança metódica e a confiança ética. A confiança hierárquica é administrada pelo BC, que anuncia as normas de gestão da moeda e é responsável pela emissão do meio de pagamento final.
A confiança metódica opera no âmbito da segurança das relações interindividuais e regula a prática rotineira dos atos que reproduzem a ordem monetária, sobretudo os pagamentos das dívidas nascidas do seu funcionamento. A confiança ética diz respeito ao caráter universal dos direitos da pessoa humana.
A política de metas de inflação supõe que o mercado e o Banco Central jogam a partida estratégica da "construção da confiança e da reputação". Os banqueiros centrais estão comprometidos a estabilizar as expectativas dos agentes formadores de preços mediante a comunicação adequada de suas decisões e do manejo dos juros de curto prazo. Sob os auspícios da hipótese dos mercados eficientes, os banqueiros centrais garantiam que, uma vez alcançada a estabilidade monetária, estaria assegurada a estabilidade financeira. A crise atual, no entanto, demonstrou que, na ausência de regulação e de supervisão competentes, a instabilidade do sistema de crédito se esgueira nas sombras da estabilidade monetária.
Em tempo: o economista Gabriel Galípollo sugeriu que os critérios de autonomia relacionados acima sejam absorvidos por uma regra única, definitiva e de interpretação não-ambígua. Ela rezaria o seguinte: "O presidente do Banco Central é eleito por seus pares do mercado e indica o presidente da República de sua livre escolha".

LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 66, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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