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Governo quer tirar dos Estados o controle das reservas de água
No centro da disputa estão a cobrança pelo uso da água e o domínio sobre o aquífero Guarani, uma das maiores reservas do mundo
Proposta no Congresso torna a União responsável por arrecadar recursos com uso da água sob o solo; custo ao consumidor pode subir
LEILA COIMBRA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo federal quer mudar o domínio sobre as águas
subterrâneas, hoje nas mãos
dos Estados, para a União. No
centro da discussão estão a cobrança pelo uso da água, que
começa a engatinhar no país, e
o controle do aquífero Guarani.
Considerado por especialistas uma das maiores reservas
subterrâneas do mundo em volume de água, o aquífero Guarani tem uma área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados
e capacidade para abastecer de
forma sustentável 400 milhões
de habitantes por 2.500 anos.
Pela legislação atual, toda cobrança pelo uso de águas subterrâneas cabe aos Estados,
sem nenhum centavo para a
União. Mas a PEC (proposta de
emenda constitucional) nº 43,
se aprovada, transfere a titularidade para a União.
Com a ampliação da cobrança, o consumidor desembolsará
mais pelo direito à água potável, já que no país paga-se hoje
pelo serviço de fornecimento
da água, não pela água em si.
A PEC é do ano 2000 e esteve
esquecida no Congresso Nacional nos últimos oito anos. Em
junho deste ano, no entanto,
ela foi redistribuída na Comissão de Constituição e Justiça
do Senado para a relatoria do
senador Renato Casagrande
(PSB-ES), que já foi vice-líder
do governo naquela Casa.
Segundo ele, para subsidiar o
relatório, estão sendo feitas
reuniões com a sociedade civil,
os usuários das águas e o poder
público, em especial os governos estaduais, que não querem
abrir mão do seu poder de concessão e outorga sobre o bem. O
relatório final, diz ele, será
apresentado no início de 2010.
O presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), José
Machado, defende a gestão
compartilhada dos aquíferos
que abrangem mais de um Estado. Isso seria possível, diz ele,
por meio de um pacto federativo no qual os Estados e a União
gerenciariam em conjunto o
uso dessas enormes reservas.
"O ideal seria que a União tivesse o domínio do aquífero
Guarani, mas entendo também
a preocupação dos Estados que
não querem abrir mão desse
bem. Do mesmo modo, entendemos que, para a ANA, seria
muito difícil centralizar todas
essas outorgas", disse o presidente da agência reguladora.
São Francisco
A cobrança pelo uso das
águas no Brasil, sejam elas superficiais (como rios e lagos),
sejam abaixo do solo, ainda é
incipiente, mas já produz receita considerável. A União arrecada hoje R$ 27 milhões ao ano
com a cobrança pela utilização
de apenas duas bacias: a do Paraíba do Sul, nos Estados de São
Paulo, Paraná, Minas Gerais e
Rio, e a dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (SP e MG).
No segundo semestre de
2010, começará a ser feita a cobrança pelo uso das águas da
bacia do São Francisco, o que
incrementará a receita em outros R$ 20 milhões anuais. A
gestão desses recursos é feita
pela ANA já que são bacias cujo
domínio é do governo federal.
Mas os Estados também já
cobram pelo uso de águas subterrâneas, e o preço do metro
cúbico de aquíferos é de 10% a
15% maior que o dos rios. Isso
porque as águas subterrâneas
são mais difíceis de despoluir e
são vistas pelo governo como
reservas estratégicas e valiosas.
Patrick Thomas, gerente de
cobrança pelo uso de recursos
hídricos da ANA, diz que o pagamento é fixado por um comitê gestor formado pelo poder
público, pelos usuários (companhias de saneamento e indústrias) e pela sociedade civil.
Atualmente, apenas os Estados de São Paulo e do Rio cobram pelo uso das águas subterrâneas, justamente nas regiões adjacentes às das bacias
do rio Paraíba do Sul e dos rios
Piracicaba, Capivari e Jundiaí,
onde a União também cobra
pela utilização das águas superficiais. Com a aprovação da
PEC nº 43, a União abocanharia as receitas das águas acima e
abaixo da superfície do solo.
Receita potencial
A Folha apurou que o potencial de receita com o uso das
águas subterrâneas é cinco a
dez vezes maior que o das
águas de rios. Algumas grandes
cidades já são abastecidas por
aquíferos abaixo do solo, em
vez de rios. É o caso de Ribeirão
Preto (SP), que é 100% dependente da reserva subterrânea
Guarani. Lá, o consumo por habitante é de 400 litros por dia, o
dobro da média nacional.
O aquífero Guarani é a "joia
do tesouro", diz especialista na
área e representante do governo que prefere não ser identificado. Ele abastece total ou parcialmente mais de 500 cidades.
No interior paulista, a exploração desse aquífero já é essencial para o abastecimento de
água de 65% das suas zonas urbanas, de acordo com a Sabesp.
Oficialmente estão registrados 7.000 poços no aquífero,
mas pode haver mais, pois muitos são desconhecidos. Cerca
de 71% do Guarani fica em território brasileiro; 19%, em solo
argentino; o Paraguai detém
6% da reserva, e o Uruguai, 4%.
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