São Paulo, segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Direito ao silêncio


Nos aeroportos civilizados dos países desenvolvidos, o alto-falante geral é usado só em caso de mudança no embarque


DESDE QUANDO eu era menino, aprendi com meu pai a importância do direito à palavra. É um direito civil fundamental, uma forma do direito à liberdade política. Com o passar dos anos, porém, compreendi que outro direito que parece ser o inverso, mas é de outra natureza -o direito ao silêncio, a não ser obrigado a ouvir sons fortes e desagradáveis impostos por terceiros- , é também um direito importante. É um direito ao bem-estar individual associado ao direito mais amplo de que os outros não podem prejudicar nossa saúde. Sons altos, constantes, em locais públicos atingem nosso bem-estar.
Os legisladores paulistanos compreenderam esse fato quando, há muitos anos, proibiram o uso da buzina. Meus leitores mais moços não imaginam quanto se buzinava em São Paulo e quanto melhorou a qualidade de vida quando a buzina sem justificativa foi considerada infração de trânsito. A legislação que existe em todas as boas cidades quanto a barulhos noturnos é outra expressão da existência do direito ao silêncio e da necessidade de garanti-lo pela lei.
No Brasil, porém, há ainda um setor -o dos aeroportos administrados pela Infraero- no qual a violência ao direito ao silêncio é praticada de maneira implacável. Esperar pelo embarque nesses aeroportos é estar condenado a ouvir uma voz geralmente feminina a repetir uma, duas, três vezes que começou o embarque do voo X, que esta é a última chamada, que é mesmo a última chamada, que fulano e sicrano ainda não se apresentaram ao balcão de embarque etc.
A diferença em relação aos aeroportos civilizados dos países desenvolvidos é enorme. Neles, o alto-falante geral é usado apenas nos casos de mudança de porta de embarque -mudanças que, ao contrário do que acontece no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, são raras. E no próprio portão se usa um pequeno alto-falante para dar início ao embarque. Já temos painéis nos nossos aeroportos; se são insuficientes, que sejam aumentados. O custo é mínimo.
Há tempo pensava escrever este artigo falando sobre o direito ao silêncio nos aeroportos brasileiros, mas o que me motivou a fazê-lo foi ler em "Le Monde Magazine" (28.nov.09) uma grande reportagem sobre os males que estão causando sobre as populações locais as torres de energia eólica que estão sendo instaladas na França apoiadas por subsídios governamentais. Energia renovável, energia não poluidora -sim, o mundo precisa desse tipo de energia-, mas, se se decide subsidiar a energia eólica, não se faça isso em detrimento do direito ao silêncio da população atingida. A reportagem mostra como o som forte, surdo, repetido vem causando náusea, insônia, irritação e depressão nas pessoas vivendo a certa proximidade das torres e relata os protestos que estão crescendo. Ainda que a energia eólica continue cara e, portanto, ineficiente, compreendo que se a promova por razões ecológicas, mas, antes de proteger a natureza, é preciso proteger as pessoas.
A vida é uma sequência de compensações: para ganhar alguma coisa, temos que perder outra. A regra para decidir as questões é a da razoabilidade. Quando decidimos limitar a emissão de gases do efeito estufa, estamos reduzindo o crescimento. Tudo bem se a redução for modesta. Se a energia eólica contribui para o equilíbrio energético, usemo-la, mas de forma razoável, colocando as torres longe das habitações. Se isso não for possível, não a usemos. Em relação à violência sonora nos aeroportos brasileiros, porém, não há nenhuma compensação. Nada a explica senão o atraso.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição". Internet: www.bresserpereira.org.br

bresserpereira@gmail.com


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