São Paulo, domingo, 15 de fevereiro de 2009

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Empresas emitem títulos de risco e vendem patrimônio

Percentual de companhias que deixarão de pagar dívidas poderá ser o maior desde 1933

Dificuldade das empresas em se autofinanciarem decorre da "seca" no mercado de crédito e da forte queda no faturamento e nos lucros


Mark Lennihan - 5.fev.09/Associated Press
Ponto comercial vazio em NY; vendas no varejo americano devem cair 20% no primeiro trimestre

FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK

As empresas não-financeiras nos EUA aumentaram o calote de suas dívidas e estão sendo obrigadas a pagar retornos cada vez mais elevados para continuarem se financiando e honrando compromissos. É uma nova pressão sobre seus caixas, já estrangulados por vendas e crédito em queda.
Cerca de US$ 700 bilhões em débitos corporativos terão de ser rolados ou pagos nos EUA em 2009, segundo cálculos da Standard & Poor's. O valor equivale a cerca da metade do PIB do Brasil.
Nos primeiros 40 dias de 2009, US$ 43,1 bilhões de 21 empresas deixaram de ser pagos, o que representa 6,1% das dívidas previstas para vencer no ano. O total dos calotes até aqui é maior do que os de 2006 e 2007 somados e equivale a 25% de todos os "defaults" registrados no ano passado.
Já o volume emitido dos chamados "junk bonds" (títulos de alto risco para investidores, mas que pagam retornos altíssimos) pelas companhias triplicou. Outras empresas já estão se desfazendo de patrimônio em renegociações ou tendo que dar garantias físicas para rolar empréstimos.
Na média de 2008, 5% das empresas no país falharam em pagar suas dívidas. Para 2009, as agências de risco S&P e Moody's projetam, com base no que já vem ocorrendo, que o total salte para algo entre 14% e 18%. Não há registro de calotes corporativos nos EUA nessas proporções desde 1933.
Nos dois últimos ciclos de baixa da economia norte-americana, os "defaults" de empresas atingiram 10,4% em 2002 e 11,9% em 1991.
A dificuldade das empresas em se autofinanciarem decorre tanto da "seca" no mercado de crédito (no centro da atual crise global) quanto da forte queda em faturamento e lucros. Além disso, grande parte dos investidores tem preferido deixar seu dinheiro aplicado em títulos do Tesouro dos EUA. Em vez de rendimento, optaram pela segurança.
A safra de balanços do último trimestre de 2008 projeta que as 500 empresas mais importantes com ações negociadas na Bolsa de Nova York faturaram entre 16% e 25% menos ante igual período no ano anterior. A produção industrial e o varejo apontam para uma nova queda, de 13% a 20%, neste primeiro trimestre do ano, segundo projeção da Zacks Research.
"A relação entre o número de empresas cortando projeções de ganho e as que estão aumentando suas expectativas é de 8 para 1", afirma Dirk Van Dijk, diretor de pesquisas da Zacks.
Na semana passada, a quarta maior empresa de TV a cabo dos EUA, a Charter, anunciou que entrará com pedido de concordata para tentar reduzir em até US$ 8 bilhões uma dívida total de US$ 21 bilhões que ela não está conseguindo rolar ou pagar. Várias outras têm ido pelo mesmo caminho.
Já a Nabors Industries, do setor de petróleo, teve de pagar juro de 9,25% ao ano para levantar US$ 1,1 bilhão no mercado emitindo títulos de dez anos. Há um ano, pagou 6,15% para obter US$ 975 milhões. A Nabors economizaria US$ 34 milhões se conseguisse hoje o mesmo juro do ano passado.
A gigante National Amusements, que controla a Viacom e a CBS, também está há semanas tentando negociar US$ 1,6 bilhão em dívidas. No arranjo, deverá se desfazer de várias das 1.500 salas de cinema que tem espalhadas pelo mundo.
Há duas semanas, a Southwest Airlines precisou rolar US$ 400 milhões em débitos.
Mas credores só concordaram em financiá-la cobrando juros de 10,5% ao ano e pedindo como garantia física 17 aeronaves da companhia.
O juro exigido da Southwest chega perto do que empresas em maiores dificuldades foram obrigadas a pagar na semana passada para lançar cerca de US$ 2,4 bilhões em "junk bonds" (títulos "porcaria", em tradução livre).
O volume foi o triplo do registrado nas semanas anteriores, revelando tanto a dificuldade na obtenção de crédito quanto a deterioração no faturamento e na situação financeira do setor corporativo nos Estados Unidos.

Prazo mais curto
Por serem de altíssimo risco para quem os compra, os "junk bonds" têm prazos bem mais curtos que outros papéis e pagam entre 14% e 16% ao ano aos investidores. Ou seja, o investidor compra o título e financia a empresa, mas espera um retorno altíssimo a curto prazo diante do risco que corre de não ter o seu investimento de volta.
O setor automobilístico nos EUA, que concentra algumas das maiores indústrias do país, nem sequer tem conseguido se financiar no mercado, mesmo oferecendo taxas altíssimas.
Por isso, a General Motors e a Chrysler, por exemplo, já receberam US$ 17,4 bilhões em empréstimos diretamente do governo dos EUA. Elas terão de apresentar na terça-feira um plano convincente de reestruturação às autoridades para reter esses financiamentos.


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