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OPINIÃO ECONÔMICA
Inflação sustentável
JOÃO SAYAD
1) para que não exista inflação, sempre que um preço
sobe, outro preço de igual importância precisa cair na mesma proporção. Subiu 10% o preço da gasolina, os preços agrícolas ou as
tarifas de ônibus precisam cair
10%. É um requisito formidável
("Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa": "Formidável" - que
ultrapassa as dimensões usuais,
fantástico. Antigamente: que provoca medo e pavor).
2) Nos Estados Unidos ou na
Europa, quando o preço da gasolina sobe, é possível substituir
transporte privado por transportes público. Mesmo assim, o preço
sobe, os usuários de automóveis e
transportes públicos ficam mais
pobres e reduzem os gastos em
alimentos, habitação, viagens e
diversões. O preço das outras coisas cai um pouco. Preços regulados pelo governo e preços de produtos vendidos em mercados oligopolizados -isto é, onde existem poucos produtores- não
caem. O aumento do preço da gasolina provoca inflação.
3) Quando sobem outros preços
importantes, como a taxa cambial, preços agrícolas ou tarifas
públicas, há um efeito substituição no consumo do produto cujo
preço subiu e um efeito renda que
reduz o consumo e o preço dos outros bens. Mesmo assim, há inflação.
4) O Brasil tem poucas estradas,
sem manutenção e cheias de buracos, e transporte público precário. A participação das despesas
de transporte e alimentação nos
salários é elevada. As elasticidades de substituição da demanda e
da oferta são menores. Quando
aumenta o preço da gasolina, da
taxa de câmbio ou dos preços
agrícolas, é mais difícil substituir
o produto cujo preço aumentou
por outros produtos. O aumento
de preço causa mais inflação aqui
do que causaria nos EUA e na Europa.
5) Trabalhadores gastam parcela muito grande da renda com
transportes e alimentação. Quando aumenta o preço da gasolina,
o salário precisa ser corrigido ou o
trabalhador não consegue pagar
o ônibus. O efeito renda de preços
mais altos é insuportável. A participação de tarifas públicas e preços rígidos de setores oligopolizados é maior do que nos países ricos. A mesma variação de preço
que provoca uma determinada
inflação nos EUA e Europa provoca inflação maior no Brasil.
6) Entre 1994 e 1999, o Brasil
combateu a inflação usando o
câmbio como âncora. A sobrevalorização da taxa cambial foi
mantida graças a intervenções do
Banco Central e a uma política de
juros muito altos. A dívida pública aumentou de 30% para 50%
do PIB. Em termos financeiros, o
combate à inflação custou US$
120 bilhões em dívida publica interna e uma dívida externa adicional do governo de US$ 100 bilhões, desindustrialização, menos
produção agrícola e desemprego.
Somando os dois custos, gastamos
US$ 220 bilhões, sem contar a destruição de postos de trabalho e capacidade produtiva para manter
a inflação baixa. A âncora não
resistiu. Era insustentável.
7) Desde 1999, o Brasil usa o
programa de metas de inflação. A
dívida passou de 50% para 60%
do PIB em 2003. Em termos financeiros, custou US$ 60 bilhões
em dívida nova, além dos juros
que foram pagos com superávit
primário -ou seja, mais US$ 156
bilhões. Já gastamos US$ 216 bilhões, um terço do PIB anual brasileiro. A âncora de juros é sustentável?
8) Por que âncoras brasileiras
são tão caras e não conseguem fazer com que a inflação convirja
para níveis internacionais? Porque os choques de custos de petróleo, de preços agrícolas ou de preços de matérias-primas causam
mais inflação aqui do que nas
economias desenvolvidas. A âncora não consegue segurar a inflação brasileira em níveis internacionais.
9) O Banco Central afirma que
nos preparamos para o crescimento sustentável. Como estamos
nos preparando? Acumulando reservas para suavizar as desvalorizações cambiais que causam inflação? Reduzindo a dívida pública? Investindo em transporte público, modernização das redes de
transporte e portos por onde escoam as safras agrícolas? Por que
o desenvolvimento não é sustentável agora e será depois?
10) A meta de inflação estabelecida pelo Copom é sustentável?
11) Mais um ano de taxas de juros reais de 10%, superávit de
4,25% do PIB e mesmo assim a dívida pública ainda pode aumentar. Em 2004, vamos pagar US$
54 bilhões "para ver" se a meta de
inflação é sustentável.
12) O desenvolvimento sustentável está cada vez mais longe. A
descoberta de que a meta de inflação é insustentável, cada vez mais
perto.
João Sayad, 57, economista, é professor
da Faculdade de Economia e Administração da USP (Universidade de São Paulo).
Escreve às segundas-feiras, a cada 15
dias, nesta coluna.
E-mail - jsayad@attglobal.net
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