São Paulo, sábado, 15 de março de 2008

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ARTIGO

Ajuda mostra gravidade da crise

JOHN GAPPER
DO "FINANCIAL TIMES"

O RESGATE ao Bear Stearns montado em caráter de emergência pelo JPMorgan Chase e pelo Fed representa o momento em que se evaporam todas as dúvidas sobre a seriedade da crise financeira que os Estados Unidos estão enfrentando. O evento é preocupante, para os americanos e para o mundo todo.
A última ocasião em que as autoridades dos Estados Unidos intervieram de maneira tão direta para sustentar uma instituição financeira de grande porte foi nos anos 80, quando a RTC (Resolution Trust Corporation) foi estabelecida para liquidar os bancos de poupança e crédito imobiliário.
Mas essas instituições não operavam como dealers primários, as empresas de que Wall Street e o Fed dependem para uma operação cotidiana enxuta do sistema financeiro. O fato de que o Bear Stearns ocupe essa posição torna a situação mais arriscada.
Uma analogia histórica seria o pânico bancário de 1907, que só foi resolvido quando J. P. Morgan em pessoa agiu para restaurar a confiança mais ou menos como Jamie Dimon, seu sucessor como presidente-executivo do banco, fez agora. O Fed também agiu nos anos 30, ainda que tenha sido criticado por não fazer mais, então.
Existe uma certa ironia no fato de que o Bear Stearns seja o recipiente da ajuda. Trata-se de um dos menores bancos de investimento de Wall Street e do mais rebelde e menos ortodoxo em seu estilo de gestão.
Quando o Federal Reserve de Nova York tentou coordenar uma operação de resgate ao Long-Term Capital Management, um fundo de hedge que enfrentava séria crise em 1998, Jimmy Cayne, o presidente-executivo do Bear Stearns, não contribuiu para a vaquinha dos bancos de Wall Street.
Essa confiança e posição arrogante são coisas do passado. Cayne renunciou em janeiro, pressionado pelo colapso de dois fundos de hedge operados pelo banco, na metade de 2007.
Alan Schwartz, seu sucessor, não teve tempo para corrigir o rumo da embarcação.
Ainda que as operações internacionais do Bear Stearns sejam modestas e ele seja pouco conhecido fora de Wall Street, o Fed tinha pouca escolha a não ser conceder assistência de emergência ao banco.
O Bear Stearns conduz boa parte do trabalho de base para bancos maiores e mais prestigiosos de Wall Street. Também é uma corretora importante, oferecendo fundos e reservas a fundos de hedge. O banco é também um dos maiores operadores de títulos lastreados por hipotecas.
Os EUA, assim, adquiriram uma versão própria do Northern Rock, o banco britânico de crédito imobiliário cujo controle foi assumido pelo governo do Reino Unido depois de uma intervenção para prevenir uma corrida de seus depositantes, em razão da crise de confiança surgida no final do ano passado. Com sorte, o governo dos Estados Unidos não terá de fazer a mesma coisa. É mais provável que o Bear Stearns seja engolido pelo JPMorgan a preço de liquidação. A questão é determinar se a crise financeira vai se agravar por conta disso.
Em março, diversos fundos de hedge, entre os quais o Carlyle Capital, controlado pelo grande fundo de capital privado Carlyle, já haviam entrado em colapso. Nesta semana, o Fed ofereceu trocar os títulos lastreados por hipotecas que estão envolvidos na crise de crédito atual por títulos do Tesouro dos EUA.
O Fed não tem muita margem de manobra, porque, aos olhos da maioria dos observadores a economia norte-americana já está em recessão, as taxas de juros já foram cortadas severamente e os mecanismos tradicionais de intervenção no mercado já foram tentados.
Hank Paulson, o secretário do Tesouro norte-americano, anteontem reiterou que ele e o governo não pretendiam sair em resgate de Wall Street. Em lugar disso, ajudariam os proprietários de casas prejudicados pela queda nos preços dos imóveis residenciais.
O resgate ao Bear Stearns demonstra que essa distinção talvez já não faça sentido prático. Outros governos que enfrentam recessões e crises sistêmicas já tiveram de resgatar bancos irresponsáveis, em benefício da economia como um todo.
A mais radical e mais bem-sucedida intervenção bancária da era moderna foi conduzida pelo governo sueco, que assumiu o controle de alguns dos maiores bancos do país e os recapitalizou no começo dos anos 90, para evitar uma compressão de crédito prolongada.
O Fed e o governo americano esperam poder evitar intervenção de escala semelhante. Até agora, os maiores bancos dos EUA conseguiram obter injeções de capital novo junto a fundos soberanos de investimento e outros investidores.
Mas os EUA são a maior economia do planeta e têm o maior e mais complexo setor de serviços financeiros. A RTC teve de liquidar instituições de poupança e crédito que detinham US$ 400 bilhões em ativos, e a atual crise pode ser maior.
Os Estados Unidos também abrigam os maiores bancos de investimento do mundo. Como demonstra o Bear Stearns, eles são instituições pesadamente endividadas que dependem de acesso imediato a liquidez nos mercados de atacado e se mostram vulneráveis a crises.
Nos bons tempos, o Bear Stearns se orgulhava de ser um banco incomum em Wall Street, uma mistura de cultura empresarial e operações. O Fed e os demais bancos de investimento agora só podem esperar que seus problemas se provem igualmente únicos.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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