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ARTIGO
Ajuda mostra gravidade da crise
JOHN GAPPER
DO "FINANCIAL TIMES"
O RESGATE ao Bear
Stearns montado em
caráter de emergência
pelo JPMorgan Chase e pelo
Fed representa o momento em
que se evaporam todas as dúvidas sobre a seriedade da crise
financeira que os Estados Unidos estão enfrentando. O evento é preocupante, para os americanos e para o mundo todo.
A última ocasião em que as
autoridades dos Estados Unidos intervieram de maneira tão
direta para sustentar uma instituição financeira de grande
porte foi nos anos 80, quando a
RTC (Resolution Trust Corporation) foi estabelecida para liquidar os bancos de poupança e
crédito imobiliário.
Mas essas instituições não
operavam como dealers primários, as empresas de que Wall
Street e o Fed dependem para
uma operação cotidiana enxuta
do sistema financeiro. O fato de
que o Bear Stearns ocupe essa
posição torna a situação mais
arriscada.
Uma analogia histórica seria
o pânico bancário de 1907, que
só foi resolvido quando J. P.
Morgan em pessoa agiu para
restaurar a confiança mais ou
menos como Jamie Dimon, seu
sucessor como presidente-executivo do banco, fez agora. O
Fed também agiu nos anos 30,
ainda que tenha sido criticado
por não fazer mais, então.
Existe uma certa ironia no fato de que o Bear Stearns seja o
recipiente da ajuda. Trata-se de
um dos menores bancos de investimento de Wall Street e do
mais rebelde e menos ortodoxo
em seu estilo de gestão.
Quando o Federal Reserve de
Nova York tentou coordenar
uma operação de resgate ao
Long-Term Capital Management, um fundo de hedge que
enfrentava séria crise em 1998,
Jimmy Cayne, o presidente-executivo do Bear Stearns, não
contribuiu para a vaquinha dos
bancos de Wall Street.
Essa confiança e posição arrogante são coisas do passado.
Cayne renunciou em janeiro,
pressionado pelo colapso de
dois fundos de hedge operados
pelo banco, na metade de 2007.
Alan Schwartz, seu sucessor,
não teve tempo para corrigir o
rumo da embarcação.
Ainda que as operações internacionais do Bear Stearns
sejam modestas e ele seja pouco conhecido fora de Wall
Street, o Fed tinha pouca escolha a não ser conceder assistência de emergência ao banco.
O Bear Stearns conduz boa
parte do trabalho de base para
bancos maiores e mais prestigiosos de Wall Street. Também
é uma corretora importante,
oferecendo fundos e reservas a
fundos de hedge. O banco é
também um dos maiores operadores de títulos lastreados
por hipotecas.
Os EUA, assim, adquiriram
uma versão própria do Northern Rock, o banco britânico
de crédito imobiliário cujo controle foi assumido pelo governo
do Reino Unido depois de uma
intervenção para prevenir uma
corrida de seus depositantes,
em razão da crise de confiança
surgida no final do ano passado.
Com sorte, o governo dos Estados Unidos não terá de fazer a
mesma coisa. É mais provável
que o Bear Stearns seja engolido pelo JPMorgan a preço de liquidação. A questão é determinar se a crise financeira vai se
agravar por conta disso.
Em março, diversos fundos
de hedge, entre os quais o
Carlyle Capital, controlado pelo grande fundo de capital privado Carlyle, já haviam entrado
em colapso. Nesta semana, o
Fed ofereceu trocar os títulos
lastreados por hipotecas que
estão envolvidos na crise de
crédito atual por títulos do Tesouro dos EUA.
O Fed não tem muita margem de manobra, porque, aos
olhos da maioria dos observadores a economia norte-americana já está em recessão, as taxas de juros já foram cortadas
severamente e os mecanismos
tradicionais de intervenção no
mercado já foram tentados.
Hank Paulson, o secretário
do Tesouro norte-americano,
anteontem reiterou que ele e o
governo não pretendiam sair
em resgate de Wall Street. Em
lugar disso, ajudariam os proprietários de casas prejudicados pela queda nos preços dos
imóveis residenciais.
O resgate ao Bear Stearns demonstra que essa distinção talvez já não faça sentido prático.
Outros governos que enfrentam recessões e crises sistêmicas já tiveram de resgatar bancos irresponsáveis, em benefício da economia como um todo.
A mais radical e mais bem-sucedida intervenção bancária
da era moderna foi conduzida
pelo governo sueco, que assumiu o controle de alguns dos
maiores bancos do país e os recapitalizou no começo dos anos
90, para evitar uma compressão de crédito prolongada.
O Fed e o governo americano
esperam poder evitar intervenção de escala semelhante. Até
agora, os maiores bancos dos
EUA conseguiram obter injeções de capital novo junto a
fundos soberanos de investimento e outros investidores.
Mas os EUA são a maior economia do planeta e têm o maior
e mais complexo setor de serviços financeiros. A RTC teve de
liquidar instituições de poupança e crédito que detinham
US$ 400 bilhões em ativos, e a
atual crise pode ser maior.
Os Estados Unidos também
abrigam os maiores bancos de
investimento do mundo. Como
demonstra o Bear Stearns, eles
são instituições pesadamente
endividadas que dependem de
acesso imediato a liquidez nos
mercados de atacado e se mostram vulneráveis a crises.
Nos bons tempos, o Bear
Stearns se orgulhava de ser um
banco incomum em Wall
Street, uma mistura de cultura
empresarial e operações. O Fed
e os demais bancos de investimento agora só podem esperar
que seus problemas se provem
igualmente únicos.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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