São Paulo, quinta-feira, 15 de abril de 2010

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Um credor ainda duvidoso


O superavit comercial sofreu um colapso, e o deficit externo vem crescendo de forma preocupante


POSSO ME repetir um pouco? Nelson Rodrigues, que era muito repetitivo, costumava se justificar: "Tudo que é dito uma vez, e uma única vez, permanece rigorosamente inédito".
Na realidade, leitor, os problemas econômicos também se repetem, exibindo não raro uma desanimadora recorrência. O desequilíbrio externo, por exemplo. O Brasil, nos anos recentes, deu os seus primeiros passos como credor internacional. Chegamos a emprestar US$ 10 bilhões ao Fundo Monetário Internacional. E isso em meio a uma grande crise econômica mundial.
Mas a verdade é que a nossa condição de credor está longe de consolidada. Basta ver os últimos números das nossas contas externas correntes. O processo de deterioração vem ocorrendo de forma praticamente contínua, mês após mês. O superavit comercial sofreu um verdadeiro colapso. No acumulado do ano, até a segunda semana deste mês, o saldo da balança comercial (exportações menos importações de mercadorias) diminuiu 60% em relação a igual período de 2009.
O crescimento das importações vem superando o das exportações por larga margem. O Banco Central e os analistas de mercado preveem um saldo de apenas US$ 10 bilhões em 2010. Em 2011, o superavit comercial deve ser ainda menor. Há não muito tempo, o Brasil registrava um megassuperavit no seu comércio exterior. No período 2005-2007, nosso saldo comercial foi, em média, de quase US$ 44 bilhões por ano.
O resto do balanço de pagamentos em conta-corrente também não impressiona bem. Em matéria de turismo e outras viagens internacionais, por exemplo, as projeções do Banco Central indicam deficit de US$ 7,5 bilhões em 2010.
Com a moeda nacional valorizada, fica barato importar e viajar ao exterior. Por outro lado, as exportações se tornam menos competitivas, e o país fica mais caro para turistas do exterior. Outro fator que pesa é o nosso deficit estrutural na conta de rendas remetidas ao exterior. Só a remessa líquida de lucros e dividendos deve chegar a US$ 32 bilhões em 2010, segundo projeção do Banco Central. Contando a despesa líquida com juros, a expectativa é que a remessa total de rendas ultrapasse US$ 40 bilhões.
Como consequência disso tudo, o deficit em conta-corrente deve ficar em torno de 2,5% do PIB neste ano. E a expectativa é que continue crescendo no ano que vem. Não quero sobrecarregar o artigo com números, mas permita, leitor, uma última consideração. Há uma contradição aparente entre a nossa condição de credor e a pesada remessa de rendas ao exterior.
A explicação é a seguinte. É verdade que as reservas internacionais superam a dívida externa do país. Também é verdade que o setor público é credor líquido em termos externos. Porém, quando se adota um conceito mais completo de endividamento externo, o quadro se modifica. O total dos passivos externos do país (incluindo dívidas, investimentos diretos, investimentos em carteira e outros) é muito superior aos nossos ativos externos (reservas internacionais, investimentos no exterior, empréstimos ao exterior, entre outros). Em dezembro de 2009, de acordo com dados preliminares, a diferença alcançava quase US$ 600 bilhões.
Em resumo, um pouco mais de cuidado com o deficit das contas externas não nos fará mal algum.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 55, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago), mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.

pnbjr@attglobal.net



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