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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Euforia e risco no ciclo americano
LUCIANO COUTINHO
Em artigo anterior, busquei
iluminar o excepcional vigor
da onda de inovação liderada pelas tecnologias da informação, especialmente na segunda metade
dos anos 90. Nos EUA, a participação dos investimentos em computadores, equipamentos de telecomunicações e vários outros
equipamentos de automação saltou de 25% para 40% da formação bruta total de capital ao longo da década de 90, aí descontados os preços cadentes desses
bens.
O complexo das tecnologias da
informação respondeu por uma
parcela substancial (pelo menos
um terço) do forte ritmo de crescimento do PIB americano (de
4,4% ao ano entre 1995 e 1999) e,
sem dúvida, contribuiu decisivamente para acelerar os ganhos de
produtividade. Esses alcançaram
ritmo de 2,8% ao ano na segunda
metade dos anos 90, compatibilizando a acomodação de razoáveis ganhos salariais, numa etapa
de baixo desemprego, com preços
subindo apenas moderadamente.
Essa expansão virtuosa e inusitadamente veloz levou muita
gente à crença de que estaríamos
diante de uma nova e duradoura
"golden age". Nas últimas semanas, porém, apareceram inequívocos sinais de que o fluxo de lucros das principais estrelas empresariais de alta tecnologia (no terceiro trimestre deste ano) começou a fraquejar. Como resultado, o índice Nasdaq vem mostrando fragilidade inquietante. A
compreensão da gravidade dos
riscos ora pendentes não pode
prescindir de uma reflexão sobre
a notável expansão dos mercados
de capital e de crédito nos anos
90.
O boom americano, especialmente no último quinquênio, resultou da combinação de dois ingredientes explosivos: de um lado,
a forte aceleração da inovação
tecnológica; de outro, a extraordinária exuberância da valorização da riqueza mobiliária. Esses
dois fatores de propulsão se realimentaram intensamente. Com
efeito, foi o mercado de capitais
que injetou (e abundantemente)
combustível no motor do ciclo
-o complexo das tecnologias de
informação.
Isso ocorreu de duas formas:
1ª) as ações das grandes empresas de telecomunicações, informática e automação se valorizaram espetacularmente, inflando
os respectivos valores de mercado
e viabilizando a redução dos seus
custos de capital (nesse caso, as
empresas prefeririam emitir maciçamente debêntures a emitir
ações, por medo de "take overs"
hostis);
2ª) uma notável expansão dos
fundos de "venture capital" e de
lançamentos públicos (IPOs, ou
"initial public offerings") financiou generosamente a decolagem
de pequenas empresas pioneiras
(que logo se tornaram grandes),
como foram os casos da Cisco
Systems, Netscape, Amazon, Yahoo!, e-Bay e outras. O volume
das operações de "venture capital" saltou de um patamar anual
de US$ 5 bilhões nos primeiros
anos da década de 90 para uma
média de US$ 100 bilhões por ano
desde 1998 até o primeiro semestre de 2000.
Sob o impulso desses mecanismos aceleracionistas, o índice
Nasdaq subiu como um foguete
ao longo do segundo semestre de
1999 até março de 2000, quando
iniciou um processo muito volátil
de "correção" baixista. O mercado extrapolou para o futuro o ritmo aceleradíssimo de crescimento de alguns segmentos do complexo das TI (mais de 25% ao
ano), bem como generalizou essa
expectativa para o conjunto das
empresas, fazendo vista grossa do
fato de que apenas algumas firmas líderes poderiam, eventualmente, sustentar tal desempenho.
Mas as desconfianças não tardaram a surgir quando, por
exemplo, alguns empreendimentos de comércio eletrônico (via Internet) entraram em falência, ou,
mais recentemente, quando várias empresas importantes do setor de TI frustraram as expectativas de lucro no terceiro trimestre
deste ano.
O problema é que ainda existe
uma parcela majoritária de ações
supervalorizadas de tal forma
que a ocorrência de um "crash"
não pode ser descartada. Aterrissagens de booms alavancados são
sempre precárias: a desinflação
dos valores de mercado das empresas desequilibra as respectivas
relações de dívida sobre o patrimônio líquido. Os mercados de
papéis-risco ficam ilíquidos e até
mesmo as instituições que têm o
compromisso de funcionar como
"market makers" ficam com um
pé atrás. Nesses momentos, qualquer movimento de restrição endógena do crédito bancário pode
ser fatal.
O Fed teria que aliviar a tensão,
prontamente, reduzindo a taxa
de juros. Mas isso pode vir a ser
muito problemático numa situação em que o déficit em conta corrente dos EUA está elevadíssimo
-tendendo a alcançar US$ 430
bilhões neste ano-, de tal sorte
que a posição do dólar é estruturalmente muito fraca, dependente da entrada maciça e voluntária
de capitais externos.
O Fed pode cair numa tremenda enrascada. Se baixar os juros,
debilitará temerariamente o dólar, ameaçando jogar a economia
mundial e os mercados financeiros na lona. Se não baixar os juros
e permitir um "credit crunch", levará à breca o mercado de capitais e o sistema bancário. Qualquer das duas alternativas significa desastre. Haja, portanto, muita coordenação e muita intervenção heterodoxa nos mercados de
câmbio e de capitais.
Luciano Coutinho, 53, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).
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