São Paulo, domingo, 15 de outubro de 2000

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RIQUEZA AMERICANA
Gordon nega o poder da nova economia e diz que antigas invenções foram mais importantes do que ela
"Internet não sustenta o ritmo dos EUA"

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Internet e os computadores não revolucionaram a economia dos EUA, nem sustentam o ritmo de seu crescimento. Cedo ou tarde, o país, que cresceu a uma taxa de 5,6% no segundo trimestre, terá que prestar contas com a boa e velha teoria econômica -que diz, desde que nasceu, que há limites para a expansão econômica.
O alerta é dado por quem já frequentou as melhores escolas norte-americanas. O economista Robert J. Gordon já lecionou em Harvard e Chicago e, atualmente, é professor da Northwestern University. Dedica-se, há quase 30 anos, a estudar desemprego, inflação e crescimento da economia norte-americana.
O último trabalho do professor Gordon é sobre a nova economia. Suas conclusões não foram nada animadoras para as empresas de tecnologia que enfrentam o ceticismo dos investidores, que fez os papéis da Nasdaq -Bolsa eletrônica norte-americana- perderem 34% de seu valor desde março. Para Gordon, apenas uma parcela pequena do crescimento da produtividade norte-americana nos últimos anos pode ser atribuída aos efeitos da disseminação de computadores e da Internet.

Produtividade
A economia norte-americana cresce ininterruptamente há uma década sem enfrentar pressões inflacionárias. Economistas do mundo todo se esforçam para explicar como isso é possível.
A teoria diz que crescimento sem inflação só ocorre quando há aumento de produtividade: a inflação aparece quando faltam trabalhadores e os salários e custos começam a subir por conta disso ou quando os salários altos fazem as pessoas consumirem muito.
Se novas máquinas ou novas formas de organizar o trabalho permitem que um mesmo número de trabalhadores produza mais bens e serviços num mesmo período de tempo -ou seja, se a produtividade aumenta- , então a economia pode crescer mais sem pressionar os preços.
Os economistas começaram, então, a procurar por fatores que poderiam ter aumentado a produtividade nos EUA. Descobriram que a disseminação de computadores e Internet era maior lá que em qualquer outro país.
A conclusão: o uso intensivo de computadores e de novas tecnologias de telecomunicações aumentou a produtividade e está permitindo o crescimento da economia norte-americana. Muitos não tardaram em afirmar que o país estava passando por um novo tipo de revolução industrial.

Contra a maré
Mas não é bem isso que o professor Gordon concluiu depois de analisar as taxas de crescimento da produtividade nos EUA desde 1870. Desde aquele ano, a produtividade nunca cresceu tão expressivamente como nos últimos cinco anos. Segundo o estudo do professor, a produtividade cresceu a uma taxa média de 2,65% nos EUA no período 1995-1999.
Isso significa que, se em 1995 um trabalhador norte-americano produzisse cem alfinetes em uma hora, no início de 2000 ele conseguiria produzir 111 alfinetes no mesmo período de tempo.
O economista afirma que apenas 21% do ganho de produtividade conseguido nesse período pode ser atribuído ao uso de computadores e Internet.
Ainda assim, segundo Gordon, esses ganhos não se espalharam por toda a economia e se concentraram em poucos setores.
"Com exceção da pequena parte da economia que produz computadores e periféricos e de alguns setores produtores de bens duráveis, os efeitos da nova economia na taxa de crescimento da produtividade são nulos."
Para justificar o crescimento dos EUA a taxas tão impressionantes, Gordon tem uma explicação que não poderia rimar melhor com a velha economia: "O crescimento ocorrido nos últimos cinco anos é maior do que qualquer tendência sustentável. Seu surgimento foi possível graças a duas insustentáveis "válvulas de segurança': um declínio da taxa de desemprego de 5,6% para 3,9% e um aumento no déficit da conta corrente de 1,5% para 3,9% do PIB (Produto Interno Bruto)".

Internet improdutiva
O economista lembra que muitos dos investimentos na Web são mera duplicação de negócios já existentes no mundo real: companhias tradicionais que são obrigadas a investir para defender sua participação no mercado do ataque das empresas virtuais.
Grande parte do conteúdo veiculado na Internet já existia em outros tipos de mídia. "Esses negócios representam apenas a substituição de um tipo de entretenimento ou veículo de informação por outro."
Gordon vai mais longe e afirma que a Net pode acabar levando, em alguns casos, à perda de eficiência. "Há grande evidência de que uma fração considerável da atividade de consumo pela Web ocorre nos escritórios, onde os trabalhadores têm acesso mais rápido à rede, à custa de seus empregadores", diz.

Grandes invenções
"Os computadores e a Internet não causaram tanto impacto quanto as grandes invenções do final do século 19 e início do século 20", afirma Gordon.
A invenção da eletricidade (1879), do motor a combustão interna (1877), de aparelhos como o telégrafo (1844), o telefone (1876) o rádio (1899) e a televisão (1911) eliminou as distâncias do mundo em uma proporção maior do que a Internet, argumenta o professor norte-americano.
A adoção crescente de infra-estrutura de saneamento e de hábitos de higiene melhorou muito as condições de vida da população.
As novas invenções, crescentemente adotadas pelas indústrias, "geraram um aumento na renda per capita e na riqueza durante os anos dourados de crescimento da produtividade (1913-72), que permitiu uma melhora sem precedentes nos padrões de vida", diz o professor. Essa melhora se disseminou inclusive pelos padrões de consumo da população.
O professor, com bom humor, sintetiza seu pensamento sobre a revolução da Internet com uma pergunta direta: "Se você pudesse escolher apenas uma dessas invenções: esgoto encanado ou Internet, qual você escolheria?".


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