São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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AVIAÇÃO

Documento interno aponta medidas tomadas pelo Estado, desde o período militar, para explicar o endividamento

Governo é o culpado pela crise, diz Varig

ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

Mergulhada em sua pior crise, a Varig culpa os governos dos últimos 20 anos por seus problemas. Um documento interno da companhia, assinado pelo conselheiro de administração Harro Fouquet, revela que os administradores e o acionista controlador -a Fundação Ruben Berta- não se vêem como responsáveis pela situação de insolvência da empresa, que desde 2000 apresenta patrimônio líquido negativo.
De 1990 para cá, a Varig só apresentou lucro duas vezes: em 1994 (US$ 202 milhões) e em 1997 (US$ 25 milhões). O último balanço, referente ao primeiro semestre, mostra patrimônio líquido negativo de R$ 1,5 bilhão (US$ 555 milhões pela cotação média do semestre). Significa que os bens não cobrem as dívidas e que a empresa, tecnicamente, é dos credores.
Como a maior companhia aérea brasileira chegou a tal estado? O documento de Harro Fouquet dá a versão da Varig, mas só elenca fatores externos à empresa.
Ele começa pelo governo João Figueiredo (1979-85). Diz que a moratória do Brasil, em 1982, teria impedido a obtenção de financiamento nos EUA para cinco "jumbos" (747-300). Segundo o conselheiro, as autoridades da época autorizaram a companhia a buscar crédito no Japão. Com a valorização do iene, o custo das aeronaves duplicou em dólar. Em 1999, quando os aviões foram desativados e devolvidos à Boeing, havia dívida de US$ 250 milhões.
A queixa maior é com os governos José Sarney (1985-90) e Fernando Collor (1990-92). A empresa atribui a eles uma perda de receita de US$ 986 milhões, por reajuste insuficiente das tarifas dos vôos domésticos, entre 1986, quando começou o Plano Cruzado, e 1991. O setor como um todo alega ter perdido US$ 2,2 bilhões, e há uma ação de indenização contra a União em curso no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Diz a Varig que seu desequilíbrio financeiro começou com a contenção das tarifas e foi agravado por outros fatores igualmente de responsabilidade do governo, como impostos, combustíveis e política de concessão de rotas.
O documento diz que as companhias aéreas brasileiras pagam 35% de impostos, enquanto suas congêneres européias pagam 16%, e as norte-americanas, 7,5%. O querosene de aviação, que representa 20% dos custos, aumentou 834,8% desde janeiro de 99.
As tarifas aeroportuárias são outro foco de reclamação. O Aeroporto Internacional de São Paulo é apontado como o terceiro mais caro, entre os 50 principais aeroportos do mundo, só perdendo para os de Osaka e Tóquio.

Guerra de mercado
Até 1983, a Varig, que absorvera a Cruzeiro do Sul em 1975, tinha monopólio dos vôos internacionais. Começou a perder o privilégio quando a Transbrasil e a Vasp foram autorizadas a fazer vôos não regulares. Em 1987, o Ministério da Aeronáutica abriu concessão de linhas a outras companhias, mas manteve salvaguarda para as concessões da Varig.
Mas foi em 1992 que aconteceu o que a empresa chama de "reviravolta total". O governo passou a permitir que mais de uma empresa brasileira voasse para o mesmo destino no exterior. A Transbrasil e a Vasp compraram aviões maiores, ofereceram tarifas promocionais e passaram a voar para a América do Norte, Europa e Ásia. Rapidamente, a Varig perdeu um terço do mercado para elas, pois não estava preparada para enfrentar a concorrência.
Com a diversificação de empresas brasileiras voando para o exterior, grandes companhias estrangeiras tiveram acesso ao mercado brasileiro, baseadas no princípio da reciprocidade.
A desvalorização cambial ocorrida em 1999 levou a Vasp a encerrar suas operações internacionais em 2000. No ano seguinte, o mesmo aconteceu com a Transbrasil. A desistência das empresas brasileiras só fortaleceu as estrangeiras. A rota Brasil-Estados Unidos tem hoje duas companhias brasileiras (Varig e TAM) competindo com quatro norte-americanas.
A Varig sustenta que, mesmo fragilizada, mantém 87% da fatia de vôos internacionais que restou para as empresas brasileiras e 39% dos serviços domésticos. Afirma possuir índice de aproveitamento (relação passageiro/quilômetro pago) superior aos das outras nacionais: 67% contra 56%, na média, e que sua rentabilidade nos vôos, embora negativa, é superior às das concorrentes brasileiras.
Embora o presidente da Varig, Manuel Guedes, afirme que não quer dinheiro do governo, o documento defende que a companhia, líder na América do Sul, seja preservada para impedir a absorção do tráfego internacional pelas companhias estrangeiras. A ausência da Varig no mercado internacional significaria a perda de divisas de US$ 2 bilhões por ano para o país, diz a empresa.


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