São Paulo, sábado, 16 de janeiro de 1999

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DESVALORIZAÇÃO
Dívida externa aumentou R$ 35,8 bi em uma semana e será problema para empresas, diz pesquisa da Sobeet
Real fraco reduz patrimônio

VANESSA ADACHI
da Reportagem Local

As empresas brasileiras terão grande trabalho para lidar com uma dívida externa que cresceu nada menos que R$ 35,8 bilhões em uma semana.
A desvalorização cambial acumulada na semana fez com que a dívida de US$ 140 bilhões do setor privado brasileiro saltasse, em reais, de R$ 169,4 bilhões para R$ 205,2 bilhões.
Os dados são de Octávio de Barros, diretor-técnico da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais), uma organização não-governamental de pesquisa.
Em seus estudos, Barros utilizou a cotação de R$ 1,4659 por dólar.
Esse crescimento do estoque da dívida externa privada terá impacto direto nos balanços das empresas com dívidas em dólares. O aumento da dívida é lançado como uma despesa financeira no balanço, reduzindo o lucro ou até mesmo gerando um prejuízo.
O impacto no caixa das empresas não será do mesmo tamanho. A dívida é de longo prazo e seu impacto em termos de desembolso será diluído ao longo do tempo.
Segundo Barros, em 99 haverá um impacto de R$ 8,9 bilhões sobre o caixa das empresas. De acordo com seus cálculos, as empresas têm em 99 US$ 35 bilhões a pagar de suas dívidas, entre principal e juros. No início da semana, antes da desvalorização, esse valor em reais representava R$ 42,4 bilhões. Ontem, havia saltado para R$ 51,3 bilhões.
"O conjunto das empresas com dívidas que vencem este ano terão que gerar em 99 R$ 8,9 bilhões de caixa a mais para honrar o compromisso", diz Barros.
"Será um esforço muito grande, principalmente porque será um ano de desaquecimento econômico. Por mais que haja redução dos juros daqui para a frente, o desaquecimento deve ficar ainda mais acentuado", completa o especialista. Octávio de Barros estima uma queda de 4% a 5% do PIB (Produto Interno Bruto) este ano.

Dívida total
A dívida externa total do país -que inclui os setores público e privado-, calculada em US$ 228 bilhões, saltou de R$ 275,8 bilhões para R$ 334,2 bilhões.
O desembolso total a ser feito em 99 pelo país (incluindo empresas privadas, estatais e todos os níveis de governo) subiu R$ 12,8 bilhões, de R$ 60,5 bilhões para R$ 73,3 bilhões.

Impacto real
O verdadeiro impacto da desvalorização cambial sobre a dívida externa das empresas só será conhecido aos poucos. Tudo vai depender do grau de "hedge" (proteção) que cada uma estava utilizando.
Ou seja, se estava sendo usado algum instrumento financeiro para proteger a empresa contra uma eventual flutuação da moeda, como a que aconteceu.
Um exemplo de "hedge" é a compra de contratos futuros de dólar. Quem havia comprado esses contratos, agora recebe a diferença da variação da moeda americana e pode cobrir o aumento de sua dívida. Outro "hedge", chamado "natural", é o de empresas que têm suas receitas em dólares, ou seja, as exportadoras. Essas, mesmo endividadas, não terão tanta dificuldade para honrar as dívidas, já que sua receita também crescerá em reais.
A preocupação de especialistas, no entanto, é que o "hedge" tem um custo financeiro, o que pode ter levado muitas empresas a preferir assumir o risco.

Bolsa de Valores
Muitas das empresas com grande dívida em dólares têm ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo. Diante da difícil situação em que foram colocadas pela desvalorização do real, muitas dessas empresas já têm sofrido na Bolsa.
A Light é um dos casos que mais preocupa os analistas. As ações ordinárias da empresa caíram 5,8% ontem, enquanto a Bolsa fechou em alta de 33,4%.
Ontem foi um dia atípico e a maioria dos papéis fechou em alta, mas nos dois dias anteriores ficou claro que analistas e investidores já começavam a identificar as empresas com elevado endividamento em dólares.
A Petrobrás, com dívida em dólares estimada em torno de R$ 8 bilhões, acumulou queda de 26,9% na quarta e na quinta-feira. Ontem, o papel foi no embalo da Bolsa e subiu 20,67%.
A Sabesp, outra empresa com grande dívida externa, havia caído 35,6% na quarta e na quinta-feira. Outros exemplos de ações de empresas com dívida em dólar que acumularam forte desvalorização na Bolsa no mesmo período são: Eletrobrás PNB ,-22,3%; Cerj ON, -39,4%; Telerj PN, -29% e Eletropaulo Metropolitana PN, -24%.
As ações de empresas exportadoras estão refletindo o benefício que os especialistas esperam que elas terão a partir da desvalorização.
O principal exemplo disso é a Companhia Vale do Rio Doce. As ações preferenciais (sem direito a voto) da Vale haviam subido 14,8% na quarta e na quinta. Ontem, dispararam e fecharam com alta de 46,9%, bem acima da variação da Bolsa.



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