São Paulo, quarta-feira, 16 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

A galinha voadora

Líderes industriais aparentam desateção aos 14 trimestres consecutivos de aumento da produção

TIVESSE EU qualquer dúvida acerca do vigor do crescimento econômico recente, ela teria se dissipado à luz das declarações recentes de líderes industriais que, mantendo longa tradição, já o classificaram como "vôo de galinha", aparentemente desatentos aos 14 trimestres consecutivos de aumento da produção, o mais longo ciclo de expansão industrial em 15 anos. A obsessão galinácea costuma ser sintoma claro da exasperação que surge quando a atividade econômica, torcida contrária à parte, começa a se expandir mais fortemente. Nessa hora, os cérebros de galinha (sem intenção de ofensa à saborosa espécie) formulam complexos argumentos, cuja principal qualidade é jamais passarem pelo teste dos dados.
Tomemos como exemplo uma tese recente patrocinada pelas lideranças industriais: que o Brasil passa por um processo claro de "desindustrialização", contra o qual todo patriota deve se insurgir. Afinal de contas, segue a cantilena, o crescimento industrial é cada vez mais resultado da expansão de poucos setores, com baixíssimo potencial de geração de emprego e sem dinamismo que dê sustentação aos investimentos. Será?
O primeiro argumento é falso. A inspeção mais cuidadosa dos dados revela que o crescimento industrial tem se tornado menos (e não mais) concentrado do que há poucos anos. Eu e Cristiano Souza estimamos recentemente a relação entre a taxa de crescimento da indústria e o índice de difusão, isto é, a proporção dos segmentos industriais que apresentam taxas positivas de expansão num dado mês.
Como esperado, achamos forte relação positiva: quando o crescimento industrial acelera, mais setores crescem. O importante, porém, foi achar que essa relação se tornou ainda mais positiva no período mais recente, ou seja, hoje uma mesma taxa de crescimento corresponde a uma proporção maior de setores em expansão do que há dois ou três anos. As evidências, portanto, não apóiam a tese da maior concentração do crescimento, uma das pedras fundamentais do pensamento galináceo.
Quanto ao emprego, não é necessário nenhum grande esforço de pesquisa: os dados da Confederação Nacional da Indústria mostram aceleração do nível de emprego industrial, cujo crescimento no primeiro trimestre de 2007 atinge 3,5%, a segunda maior taxa de expansão para o período desde o início da série, perdendo apenas para o primeiro trimestre de 2005. Já a criação de empregos (dados do Caged) atingiu cerca de 290 mil novas vagas industriais nos últimos 12 meses, 50% a mais que nos 12 meses anteriores. Na mesma base de comparação, a criação total de empregos manteve-se praticamente inalterada ao redor de 1,3 milhão, revelando a indústria mais dinâmica que a economia como um todo.
Por fim, os dados de investimento são eloqüentes. Por exemplo, a produção de bens de capital para uso industrial cresceu 9% nos últimos 12 meses (16% no primeiro trimestre), contra 5,5% em 2006, mostrando aceleração do investimento. Vale dizer, os próprios empresários não parecem acreditar muito na história de "desindustrialização" apadrinhada por sua liderança.
Ainda que certos setores enfrentem condições cada vez mais difíceis, os dados mostram que nada parecido com "desindustrialização" tem ocorrido. Há, sim, uma mudança em curso, da qual emergirão novos vencedores e segmentos em declínio. E o estridente cacarejar à distância...


ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 44, economista-chefe para América Latina do Banco Real, é doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

alexandre.schwartsman@hotmail.com
Internet: maovisivel.blogspot.com/


Texto Anterior: Governo quer acelerar crédito a setor afetado por importados
Próximo Texto: Vinicius Torres Freire: Bolsa Miami, real forte
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.