São Paulo, Domingo, 16 de Maio de 1999
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COMÉRCIO EXTERIOR
Produção brasileira não é orientada para o mercado externo, segundo o governo e o setor privado
Exportação não reage com desvalorização

DENISE CHRISPIM MARIN
da Sucursal de Brasília

Depois da frustração nos resultados dos embarques brasileiros de 99, o governo concluiu que a apreciação da moeda nos últimos quatro anos não era o pior entrave ao crescimento das exportações.
Maior estorvo, assegura agora a Camex (Câmara de Comércio Exterior), está no fato de que nem o governo nem o setor privado se preocuparam algum dia com a produção orientada para outros países. Na linguagem oficial: nunca houve política de exportação no país.
"O Brasil não tem oferta exportável. Exportar nunca foi uma política do país", afirmou à Folha o embaixador José Botafogo Gonçalves, secretário-executivo da Camex. "Exportar é uma tarefa que exige ações de maior profundidade que o ajuste no câmbio."
Na avaliação de Botafogo, "o setor privado tem uma falsa dimensão do que é exportar".
O governo, por sua vez, ainda não conseguiu impor os embarques de bens como política prioritária. Tampouco promoveu uma "articulação mais profunda entre os vários ministérios envolvidos com o comércio exterior".

Sobras
"O Brasil não tem oferta exportável. Os produtores se habituaram a embarcar apenas seus excedentes", afirmou o embaixador, que chefia o organismo responsável por coordenar a política de comércio exterior, mas que não tem nenhuma função executiva.
A tese da Camex é reforçada pela AEB (Associação Brasileira de Comércio Exterior).
A entidade admite que, por razão de segurança, as empresas do país tendem a programar sua produção exclusivamente para o mercado interno.
"Para atuar no exterior, o empresário tem de trabalhar com prazos mais longos de produção e de crédito e deve contar com maior previsibilidade. Portanto, precisa haver regras claras para o comércio exterior", disse José Augusto de Castro, diretor da AEB.
Ele observa que o comportamento do vendedor e do comprador de bens brasileiros é o oposto da atitude que esses mesmos agentes adotam em relação a mercadorias de outros países.
O comprador acaba se adaptando ao produto brasileiro oferecido -à qualidade, ao preço, ao desenho, à quantidade etc. Senão, procura o similar de outra origem.
Em países que priorizam as exportações, o vendedor fabrica as mercadorias conforme as exigências do comprador final.
Essa "adaptação" do consumidor, no exterior, às condições do produto brasileiro lembra a época anterior à abertura de mercado no Brasil.
Até o começo dos anos 90, o consumidor brasileiro, no mercado interno, tinha também de se contentar com o que havia na prateleira dos supermercados.
Embora não seja tese nova dentro do governo, a "absolvição" do real sobrevalorizado pela Camex se deve à observação do desastre nos embarques brasileiros a partir de meados de janeiro, quando a política cambial mudou.
Botafogo argumenta que a desvalorização do real -histórica reivindicação dos exportadores ao governo- provocou um "efeito diametralmente oposto" ao esperado pelo setor.
Em vez de estimular os setores exportadores, ao baratear o produto brasileiro no exterior, os embarques paralisaram.
De olho no ganho adicional dos exportadores, parte dos importadores queria abocanhar uma fatia desse lucro.
A outra parte decidiu suspender os contratos à espera do equilíbrio na taxa de câmbio.

Queda contínua
Em janeiro, os embarques despencaram 24,7% em relação ao mesmo mês do ano passado. Em fevereiro, caíram 12,0%. Em março, 10,4%. Em abril, 19,0%.
Como resultado, nos quatro meses do ano as exportações brasileiras somaram apenas US$ 13,747 bilhões.
A cifra é 16,5% menor que a registrada no mesmo período de 98 e aponta o pior resultado do primeiro quadrimestre nos últimos três anos.
Por conta desse desempenho, o saldo da balança comercial foi deficitário em US$ 779 milhões no período.
O resultado nos 12 meses terminados em abril, um indicador do saldo do ano, ficou negativo em US$ 5,47 bilhões.
A Camex reconhece que a restrição ao crédito pesou no desempenho das exportações. Mas acrescenta que, em condições normais, os exportadores não sabem como dispor das linhas de financiamento ofertadas simplesmente porque a produção para o exterior "não faz parte do cotidiano das empresas".
De acordo com a AEB, as linhas disponíveis no final de fevereiro somavam entre US$ 21 bilhões e US$ 22 bilhões e impunham custo considerado altíssimo para o exportador.
Antes da crise da Rússia arrastar o mercado mundial, em agosto do ano passado, as linhas chegavam a US$ 40 bilhões, com custos bem mais baixos.
Da mesma forma, a Camex reconhece que o fracasso das exportações também se deve a fatores sobre o qual o governo e o setor privado não têm nenhuma influência.
Um deles é a queda da demanda mundial -principalmente da América Latina pelos manufaturados "made in Brazil".
O outro é a redução do preço dos produtos agrícolas e minérios no mercado internacional.


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