São Paulo, quarta-feira, 16 de junho de 2004

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ONU E DESENVOLVIMENTO

Presidente diz que Brasil vai comprar produtos de países mais pobres mesmo que sejam mais caros que similares no mercado internacional

Lula admite importar por preço mais alto

GABRIELA ATHIAS
EM SÃO PAULO

Defensor de uma "geografia comercial", com maior participação dos países pobres, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o Brasil irá importar produtos das nações vizinhas mesmo que custem mais do que mercadorias idênticas vendidas a um preço menor pelos países ricos.
"Nós temos que ajudar os países mais pobres, comprando as coisas deles. Se não, como é que eles vão produzir, gerar empregos?", disse Lula no Fórum da Sociedade Civil, da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento).
Ao se reunir com militantes de ONGs, Lula fez uma retrospectiva da sua política externa. Respondeu a perguntas de três militantes e fez uma revelação: sua determinação de importar produtos mais caros de países pobres é motivo de discórdia dentro do governo.
"Se você for levar em conta a briga, a boa briga que nós temos no governo, é que todo país do mundo só quer vender, nenhum país quer comprar. Todos só querem ter saldo comercial positivo. Ninguém quer ter déficit comercial, mas o Brasil precisa vender e precisa comprar."
A tal briga a que Lula se refere é a seguinte: o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) vem dizendo reservadamente que o Brasil, para assumir a posição de liderança regional, precisa ser generoso com os países mais pobres. Isso significa comprar seus produtos. A equipe econômica, interessada em manter alta a balança comercial, resiste à idéia.
"Há países menores para quem temos que facilitar as coisas para que eles consigam vender seus produtos para nós, às vezes [o Brasil] pagando um pouco mais caro", reforçou Lula.
O presidente deu um exemplo de produto que o país paga mais apenas para "ajudar" o vizinho. "Temos que comprar determinados produtos que poderíamos comprar mais barato no Canadá ou em outra parte do mundo, mas compramos aqui porque precisamos ajudar. É o caso do arroz do Uruguai", afirmou.
Lula revelou ainda que tem dito ao ministro Celso Amorim que, para ajudar a Bolívia, o Brasil precisará até ajudá-la a produzir certos produtos para depois importá-los. "O mercado mundial é muito fechado. Se não tivermos essa política de solidariedade, não daremos os passos que precisamos dar", afirmou.

Piscina e FMI
No primeiro discurso que fez pela manhã, antes de encontrar os militantes da chamada sociedade civil organizada, Lula já havia dito que "o comércio mundial não se transformou em motor de desenvolvimento para a maioria, já que os fluxos financeiros e os investimentos continuam concentrados nos países desenvolvidos".
Para Lula, uma nova agenda econômica, mais favorável aos países em desenvolvimento, passa até por mudanças nos critérios do FMI (Fundo Monetário Internacional) para que investimentos que os países pobres fazem em infra-estrutura não sejam contabilizados como gastos.

Corrupção
O presidente Lula, que está empenhado em criar um fundo internacional de combate à fome e à pobreza, também disse que um dos empecilhos para conseguir convencer os países ricos a doarem esse dinheiro é a corrupção nas nações em desenvolvimento.
"Precisamos ter instrumentos de fiscalização desses recursos. É preciso que organismos multilaterais possam determinar, de comum acordo com os países, o tipo de desenvolvimento e a aplicação desses recursos. Estamos cansados de ver, também nos países pobres, o dinheiro que é enviado para combater a pobreza ser desviado para a conta dos dirigentes no exterior", disse Lula.
Ontem, segundo dia da Unctad, o presidente discursou duas vezes -participou de uma mesa-redonda sobre novas formas de financiar o desenvolvimento e do Fórum da Sociedade Civil.
"Somos nós que temos problemas de fome, que temos de levantar a cabeça e convencer um europeu, um americano ou um japonês a dar US$ 1 do seu imposto para ajudar os países pobres", disse aos representantes da sociedade civil de 60 países.
Anteontem, o presidente Lula reuniu-se com o secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan. Conversaram sobre o encontro do dia 20 de setembro, em Nova York, quando o fundo internacional de combate à pobreza deverá ter as regras de financiamento estabelecidas. Annan é o principal aliado de Lula na cruzada para tirar a idéia do fundo do papel. Já conseguiram a adesão do presidente da França, Jacques Chirac, e do Chile, Ricardo Lagos, mas isso ainda é pouco para concretizar a idéia. Ontem, Lula informou que o grupo que prepara as propostas de financiamento do fundo deverá apresentar as três alternativas que já vêm sendo cogitadas.
A primeira é a taxação de certas transações financeiras oriundas de paraísos fiscais; a segunda, um imposto sobre o comércio de armas. A terceira é a proposta do chanceler britânico, Gordon Brown, de criar um mecanismo de financiamento internacional que prevê repasses de recursos dos países ricos para os pobres.


Colaborou Chico de Gois, da Reportagem Local

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