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ONU E DESENVOLVIMENTO
Presidente diz que Brasil vai comprar produtos de países mais pobres mesmo que sejam mais caros que similares no mercado internacional
Lula admite importar por preço mais alto
GABRIELA ATHIAS
EM SÃO PAULO
Defensor de uma "geografia comercial", com maior participação
dos países pobres, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o Brasil irá importar produtos das nações vizinhas mesmo
que custem mais do que mercadorias idênticas vendidas a um
preço menor pelos países ricos.
"Nós temos que ajudar os países
mais pobres, comprando as coisas deles. Se não, como é que eles
vão produzir, gerar empregos?",
disse Lula no Fórum da Sociedade
Civil, da Unctad (Conferência das
Nações Unidas sobre Comércio e
Desenvolvimento).
Ao se reunir com militantes de
ONGs, Lula fez uma retrospectiva
da sua política externa. Respondeu a perguntas de três militantes
e fez uma revelação: sua determinação de importar produtos mais
caros de países pobres é motivo
de discórdia dentro do governo.
"Se você for levar em conta a
briga, a boa briga que nós temos
no governo, é que todo país do
mundo só quer vender, nenhum
país quer comprar. Todos só querem ter saldo comercial positivo.
Ninguém quer ter déficit comercial, mas o Brasil precisa vender e
precisa comprar."
A tal briga a que Lula se refere é
a seguinte: o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) vem dizendo reservadamente que o Brasil, para assumir a posição de liderança regional, precisa ser generoso com os países mais pobres.
Isso significa comprar seus produtos. A equipe econômica, interessada em manter alta a balança
comercial, resiste à idéia.
"Há países menores para quem
temos que facilitar as coisas para
que eles consigam vender seus
produtos para nós, às vezes [o
Brasil] pagando um pouco mais
caro", reforçou Lula.
O presidente deu um exemplo
de produto que o país paga mais
apenas para "ajudar" o vizinho.
"Temos que comprar determinados produtos que poderíamos
comprar mais barato no Canadá
ou em outra parte do mundo, mas
compramos aqui porque precisamos ajudar. É o caso do arroz do
Uruguai", afirmou.
Lula revelou ainda que tem dito
ao ministro Celso Amorim que,
para ajudar a Bolívia, o Brasil precisará até ajudá-la a produzir certos produtos para depois importá-los. "O mercado mundial é
muito fechado. Se não tivermos
essa política de solidariedade, não
daremos os passos que precisamos dar", afirmou.
Piscina e FMI
No primeiro discurso que fez
pela manhã, antes de encontrar os
militantes da chamada sociedade
civil organizada, Lula já havia dito
que "o comércio mundial não se
transformou em motor de desenvolvimento para a maioria, já que
os fluxos financeiros e os investimentos continuam concentrados
nos países desenvolvidos".
Para Lula, uma nova agenda
econômica, mais favorável aos
países em desenvolvimento, passa até por mudanças nos critérios
do FMI (Fundo Monetário Internacional) para que investimentos
que os países pobres fazem em infra-estrutura não sejam contabilizados como gastos.
Corrupção
O presidente Lula, que está empenhado em criar um fundo internacional de combate à fome e à
pobreza, também disse que um
dos empecilhos para conseguir
convencer os países ricos a doarem esse dinheiro é a corrupção
nas nações em desenvolvimento.
"Precisamos ter instrumentos
de fiscalização desses recursos. É
preciso que organismos multilaterais possam determinar, de comum acordo com os países, o tipo
de desenvolvimento e a aplicação
desses recursos. Estamos cansados de ver, também nos países pobres, o dinheiro que é enviado para combater a pobreza ser desviado para a conta dos dirigentes no
exterior", disse Lula.
Ontem, segundo dia da Unctad,
o presidente discursou duas vezes
-participou de uma mesa-redonda sobre novas formas de financiar o desenvolvimento e do
Fórum da Sociedade Civil.
"Somos nós que temos problemas de fome, que temos de levantar a cabeça e convencer um europeu, um americano ou um japonês a dar US$ 1 do seu imposto
para ajudar os países pobres", disse aos representantes da sociedade civil de 60 países.
Anteontem, o presidente Lula
reuniu-se com o secretário-geral
das Nações Unidas, Kofi Annan.
Conversaram sobre o encontro
do dia 20 de setembro, em Nova
York, quando o fundo internacional de combate à pobreza deverá
ter as regras de financiamento estabelecidas. Annan é o principal
aliado de Lula na cruzada para tirar a idéia do fundo do papel. Já
conseguiram a adesão do presidente da França, Jacques Chirac, e
do Chile, Ricardo Lagos, mas isso
ainda é pouco para concretizar a
idéia. Ontem, Lula informou que
o grupo que prepara as propostas
de financiamento do fundo deverá apresentar as três alternativas
que já vêm sendo cogitadas.
A primeira é a taxação de certas
transações financeiras oriundas
de paraísos fiscais; a segunda, um
imposto sobre o comércio de armas. A terceira é a proposta do
chanceler britânico, Gordon
Brown, de criar um mecanismo
de financiamento internacional
que prevê repasses de recursos
dos países ricos para os pobres.
Colaborou Chico de Gois, da Reportagem Local
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