São Paulo, quinta, 16 de julho de 1998

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Recuperação da economia e "irresponsáveis"

ALOYSIO BIONDI
Não há nada de errado na política econômica do governo FHC. Recessão, desemprego, "rombos" são inevitáveis. O governo faz o possível. É essa a conclusão a que a opinião pública está sendo levada, diante da saraivada de críticas provocadas pela divulgação de propostas de mudança de rumos apresentadas pelas oposições. "Sonhos" de "irresponsáveis" são expressões com que elas foram saudadas, insinuando-se (novamente) a "ignorância" e a "incompetência" dos oposicionistas, como se, entre eles, não figurassem mestres-economistas consagrados como uma Maria da Conceição Tavares ou um Paul Singer, para citar apenas dois de longa tradição. A principal crítica, ou aquela que sempre impressiona a opinião pública -por parecer "lógica" é esta: mas de onde viria o dinheiro para realizar todos esses "sonhos"?
A superficialidade dessa crítica esconde o óbvio: da mesma forma em que a economia foi empurrada ladeira abaixo por decisões (??) erradas de governo, ela não precisa de "gastos" do governo para criar empregos, voltar a criar renda, gerar consumo e aumentar a arrecadação de impostos. Basta corrigir os erros, alterar diretrizes e "uma coisa puxará a outra", isto é, a economia começará a avançar ladeira acima, por força do que os economistas chamam de "efeitos multiplicadores". Parece óbvio. E é óbvio. Para demonstrar a possibilidade de mudanças e viabilidade dos "sonhos", é melhor dar a palavra a ministros do atual governo, ao presidente da República ou ao presidente Clinton -seguramente, considerados menos "irresponsáveis" pelos críticos...
Importações - Destroem a indústria e a agricultura nacionais, desempregando, destruindo poder aquisitivo. Fato admitido até por assessores especiais do governo, como a economista Lídia Goldstein, do BNDES: o Brasil escancarou seu mercado, ao reduzir brutalmente o imposto sobre importações (tarifas aduaneiras). Globalização? Não. No Brasil, a maioria dos produtos tem hoje tarifa zero, isto é, não paga imposto para entrar no mercado nacional. No Japão, essa "tarifa modal" é de 16%. Na Coréia, de 23%. O Brasil precisa rever suas tarifas. Fonte para confirmar: ministro da Fazenda. Outros países não vão chiar? Ora, em semanas recentes, os EUA estão impondo tarifas sobre o pobre salmão chileno, para proteger os produtores norte-americanos. A China está impondo barreiras à importação de aço. Taiwan, às importações de celulose brasileira. Só o Brasil é "escancarado". Fonte para confirmar: presidente Clinton.
Agricultura - Pode criar milhões de empregos, renda, poder de compra "da noite para o dia" (está chegando a época do plantio da nova safra). Os bancos privados, com uma ou duas exceções, não emprestam aos agricultores. Fonte: presidente Fernando Henrique Cardoso (discursos em Uberlândia e Ribeirão Preto, "apelando" aos banqueiros...). Então, é preciso parar com essa brincadeira de "privatização" do Banco do Brasil, Banespa e outros estatais, e reconhecer que só eles atendem à necessidade de financiar a agricultura. Aperfeiçoar controles. Mas mantê-los.
Impostos - No passado, qualquer aumento de impostos, principalmente para a classe média, provocava explosões de indignação nos meios de comunicação. Nestes tristes tempos de silêncio conivente, o governo FHC conseguiu a façanha de aumentar brutalmente o Imposto de Renda para a classe média e trabalhadores, eliminando ao mesmo tempo as alíquotas (percentuais) mais altas para os mais ricos e milionários. Reduziu assim o poder de compra da população. E perdeu a arrecadação sobre os que têm mais. Quem pode confirmar a aberração: o ministro Pedro Malan. Ou uma comparação com o Imposto de Renda nos demais países. Uma aberração no Brasil.
Salário mínimo - Não é verdade que seu aumento provocaria a "falência" dos Estados e municípios mais pobres. Estudos do próprio governo, citados na época por esta coluna (há dois anos), mostram que, mesmo naqueles governos estaduais e prefeituras, o "peso" de quem ganha menos acaba sendo ínfimo, na folha salarial. Fonte: ministro Bresser Pereira.
Banco do povo - Para pequenos empréstimos a autônomos, empresas fundos de quintal etc. Esqueça a "experiência-sonho" brasileira, de administrações da oposição que adotaram o "banco do povo". Mas lembre-se de que os "bancos do povo" estão proliferando no mundo, em países pobres e com vastas legiões de "excluídos". Fonte: ex-ministro Rubens Ricupero, em recentes artigos memoráveis nesta Folha.
Funcionalismo - Com salários congelados há cinco anos, perdeu poder aquisitivo, contribuindo para agravar a recessão. Durante dois anos, o ministro Bresser Pereira afirmou que havia "inchaço da máquina do governo", excesso de funcionários. Depois, da noite para o dia, divulgou estudos mostrando que o seu número é proporcionalmente pequeno, na comparação com países "civilizados". O funcionalismo não tem culpa no "rombo" do Tesouro. Devolver-lhe poder aquisitivo ajudaria a recuperar a economia e a aumentar a arrecadação.
Revisão das importações, apoio à agricultura, utilização dos bancos estatais, reajuste do salário mínimo e vencimentos do funcionalismo podem ser o ponto de partida para revigorar a economia e recriar empregos, poder aquisitivo, consumo. Óbvio. Só os adeptos do "pesadelo" da recessão não enxergam.
PS - Tem havido saída de dólares do país, nos últimos dias. Mesmo com o avanço do presidente FHC nas pesquisas. Vão surgir manchetes sobre o fenômeno, iguais às do pretenso "efeito Lula"?


Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico. Foi editor de Economia da Folha. Escreve às quintas-feiras no caderno Dinheiro.



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