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COMENTÁRIO
Sempre à beira de um ataque de nervos monetário
VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
Em países mais civilizados, os
juros básicos da economia
costumam subir quando o desemprego chega ao mínimo e o consumo vai ao máximo. Isto é, a um nível em que há mais procura do
que oferta de produtos e de trabalhadores. Em que não é mais possível investir sem contratar mão-de-obra mais rara e, portanto, cara. Parece o Brasil de hoje? Não.
Grosso modo, embora haja outras complexidades, é a fim de
conter essa espiral de problemas
que acaba em inflação que os bancos centrais aumentam juros, encarecem o custo do dinheiro, dos
empréstimos, para conter o consumo e a expectativa de que mais
consumo traga mais inflação.
Por que então o Banco Central
ameaça sangrar o risco de crescimento que vínhamos tendo?
O Brasil não é bem um país civilizado, está certo. A economia é
cheia de distorções e precariedades. Tem preços indexados, e mal
indexados, que aumentam mesmo sem alta de custos, tais como
preços de serviços públicos privatizados. Faltam capital e gente disposta a fazer certos tipos de investimento pesado, pois o país tem
crescimento irregular. Tem leis
precárias. Um passado de desordem econômica. Etcéteras.
Tudo isso posto, ainda assim a
política monetária (a política de
juros) brasileira é histérica, hiper-reativa a supostos sinais de inflação. Mas onde está a inflação? Ou:
onde não está? Por partes:
1. Não está no pleno emprego. O
desemprego é alto, uns 11%. Ou
uns 20%, se contadas as pessoas
que por ora desistiram de procurar emprego de verdade;
2. Não está no consumo, baixo
até em relação aos três últimos
anos, de estagnação. O consumo
de comida e roupa ainda não cresceu nos últimos 12 meses;
3. Falta "capacidade instalada"?
Isto é, há fábricas, máquinas e
equipamentos suficientes para
produzir a oferta de bens procurados? Bem, as medidas disso são
ruins e imprecisas, mas o aperto
maior por ora se dá em cerca de
15% dos setores industriais.
Mas a "capacidade instalada"
pode aumentar. O consumo de
máquinas e equipamentos cresceu mais que todos os outros tipos
de consumo nos últimos 12 meses.
De resto, as empresas inventam
modos de aumentar a produtividade, de produzir mais sem aumentar custos (invenções técnicas, administrativas, mais turnos
de trabalho);
4. Todo "gargalo de produção"
(procura maior que capacidade de
ofertar, fabricar, produtos) dá em
inflação? Não. Pode-se recorrer à
importação. Há um limite para isso: a redução perigosa do saldo
comercial, o que pressiona o dólar, o que influencia outros preços
e pode dar em inflação. Mas há
gordura para queimar;
5. O "crescimento potencial do
PIB" do Brasil hoje não passa de
uns 3,5%, diz gente de mercado.
Isto é, o Brasil não pode crescer regularmente mais que 3,5% por
ano, pois viria inflação ou as contas externas estourariam (consome-se demais, importa-se demais,
exporta-se menos etc). A economia não tem muita perna para
correr, é verdade. Pode faltar
energia, por exemplo, como faltou
em 2001. Pode faltar estrada, porto. Mas ninguém conhece muito
bem a economia brasileira. Depois do fim da hiperinflação, da
abertura comercial e financeira,
dos aumentos de produtividade, o
país não teve uma série de anos de
crescimento regular para haver
projeções confiáveis;
6. O preço do dólar está baixo e
estável. O "fluxo cambial" (balanço dos dólares que entram e saem
do país) não deve ter alterações
que afetem muito esse cenário até
o final do ano, ao menos (a não ser
em crise financeira no exterior,
imprevisível por definição). O risco-país está baixo e cai desde
maio. Por ora, as previsões de saldo comercial só aumentam. Os juros nos EUA (que influenciam os
daqui), ao que parece, vão subir
devagar, pois lá também não há
"espetáculo do crescimento";
7. As altas de preços recentes,
"as pressões inflacionárias", foram o quê? As do mês passado: o
preço da batata, conjuntural,
energia, telefone (preços "incontroláveis" por alta de juros, pois
indexados);
8. A previsão da inflação feita
basicamente pelos bancos (as "expectativas de inflação) tem aumentado? Sim. Não. E daí?
Sim: aumenta a inflação esperada para os anos inteiros de 2004 e
2005.
Não: vem caindo a previsão de
inflação a ser acumulada nos próximos 12 meses.
E daí? Tais expectativas estão
por demais influenciadas pelo
preço do petróleo (que começa a
cair), por uma onda passada de alta do dólar e de preços no atacado
(que, desde a grande desvalorização do real de 1999, jamais foram
repassados para o resto da economia no nível previsto pelos bancos);
9. O que mais causa histeria hiper-reativa do BC é a própria histeria do BC. Raciocínio circular?
Sim, mas do Banco Central e de
quem define metas de inflação. As
metas de inflação são exageradas,
muito baixas, o que exige juros demais. Para não arrebentar as metas e não afundar a credibilidade
da política monetária, o BC está
sempre à beira de um ataque de
nervos monetário, à beira de aumentar a taxa de juros. É como se
este jornalista de 104 quilos comprasse calças tamanho 40 acreditando que vai atingir sua meta de
perda de peso na semana que vem
e tivesse faniquitos quando não
coubesse nas calças. O Banco Central do Brasil é um gordo que não
cabe nas calças que comprou.
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