São Paulo, quinta-feira, 16 de setembro de 2004

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COMENTÁRIO

Sempre à beira de um ataque de nervos monetário

VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

Em países mais civilizados, os juros básicos da economia costumam subir quando o desemprego chega ao mínimo e o consumo vai ao máximo. Isto é, a um nível em que há mais procura do que oferta de produtos e de trabalhadores. Em que não é mais possível investir sem contratar mão-de-obra mais rara e, portanto, cara. Parece o Brasil de hoje? Não.
Grosso modo, embora haja outras complexidades, é a fim de conter essa espiral de problemas que acaba em inflação que os bancos centrais aumentam juros, encarecem o custo do dinheiro, dos empréstimos, para conter o consumo e a expectativa de que mais consumo traga mais inflação.
Por que então o Banco Central ameaça sangrar o risco de crescimento que vínhamos tendo?
O Brasil não é bem um país civilizado, está certo. A economia é cheia de distorções e precariedades. Tem preços indexados, e mal indexados, que aumentam mesmo sem alta de custos, tais como preços de serviços públicos privatizados. Faltam capital e gente disposta a fazer certos tipos de investimento pesado, pois o país tem crescimento irregular. Tem leis precárias. Um passado de desordem econômica. Etcéteras.
Tudo isso posto, ainda assim a política monetária (a política de juros) brasileira é histérica, hiper-reativa a supostos sinais de inflação. Mas onde está a inflação? Ou: onde não está? Por partes:
1. Não está no pleno emprego. O desemprego é alto, uns 11%. Ou uns 20%, se contadas as pessoas que por ora desistiram de procurar emprego de verdade;
2. Não está no consumo, baixo até em relação aos três últimos anos, de estagnação. O consumo de comida e roupa ainda não cresceu nos últimos 12 meses;
3. Falta "capacidade instalada"? Isto é, há fábricas, máquinas e equipamentos suficientes para produzir a oferta de bens procurados? Bem, as medidas disso são ruins e imprecisas, mas o aperto maior por ora se dá em cerca de 15% dos setores industriais.
Mas a "capacidade instalada" pode aumentar. O consumo de máquinas e equipamentos cresceu mais que todos os outros tipos de consumo nos últimos 12 meses. De resto, as empresas inventam modos de aumentar a produtividade, de produzir mais sem aumentar custos (invenções técnicas, administrativas, mais turnos de trabalho);
4. Todo "gargalo de produção" (procura maior que capacidade de ofertar, fabricar, produtos) dá em inflação? Não. Pode-se recorrer à importação. Há um limite para isso: a redução perigosa do saldo comercial, o que pressiona o dólar, o que influencia outros preços e pode dar em inflação. Mas há gordura para queimar;
5. O "crescimento potencial do PIB" do Brasil hoje não passa de uns 3,5%, diz gente de mercado. Isto é, o Brasil não pode crescer regularmente mais que 3,5% por ano, pois viria inflação ou as contas externas estourariam (consome-se demais, importa-se demais, exporta-se menos etc). A economia não tem muita perna para correr, é verdade. Pode faltar energia, por exemplo, como faltou em 2001. Pode faltar estrada, porto. Mas ninguém conhece muito bem a economia brasileira. Depois do fim da hiperinflação, da abertura comercial e financeira, dos aumentos de produtividade, o país não teve uma série de anos de crescimento regular para haver projeções confiáveis;
6. O preço do dólar está baixo e estável. O "fluxo cambial" (balanço dos dólares que entram e saem do país) não deve ter alterações que afetem muito esse cenário até o final do ano, ao menos (a não ser em crise financeira no exterior, imprevisível por definição). O risco-país está baixo e cai desde maio. Por ora, as previsões de saldo comercial só aumentam. Os juros nos EUA (que influenciam os daqui), ao que parece, vão subir devagar, pois lá também não há "espetáculo do crescimento";
7. As altas de preços recentes, "as pressões inflacionárias", foram o quê? As do mês passado: o preço da batata, conjuntural, energia, telefone (preços "incontroláveis" por alta de juros, pois indexados);
8. A previsão da inflação feita basicamente pelos bancos (as "expectativas de inflação) tem aumentado? Sim. Não. E daí?
Sim: aumenta a inflação esperada para os anos inteiros de 2004 e 2005.
Não: vem caindo a previsão de inflação a ser acumulada nos próximos 12 meses.
E daí? Tais expectativas estão por demais influenciadas pelo preço do petróleo (que começa a cair), por uma onda passada de alta do dólar e de preços no atacado (que, desde a grande desvalorização do real de 1999, jamais foram repassados para o resto da economia no nível previsto pelos bancos);
9. O que mais causa histeria hiper-reativa do BC é a própria histeria do BC. Raciocínio circular? Sim, mas do Banco Central e de quem define metas de inflação. As metas de inflação são exageradas, muito baixas, o que exige juros demais. Para não arrebentar as metas e não afundar a credibilidade da política monetária, o BC está sempre à beira de um ataque de nervos monetário, à beira de aumentar a taxa de juros. É como se este jornalista de 104 quilos comprasse calças tamanho 40 acreditando que vai atingir sua meta de perda de peso na semana que vem e tivesse faniquitos quando não coubesse nas calças. O Banco Central do Brasil é um gordo que não cabe nas calças que comprou.


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