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LUIZ GONZAGA BELLUZZO
O dilema dos bancos centrais
As intervenções dos BCs podem falhar quando cresce a percepção de que há risco de insolvência dos devedores
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OS BANCOS vivem da "alavancagem", ou seja, da capacidade de emprestar um múltiplo
dos depósitos à vista escriturados
em seus "livros". Os bancos criam
moeda: os depósitos à vista, passivos
bancários, podem ser exigidos pelos
depositantes, sem pré-aviso, e mobilizados por eles como meios de pagamento.
De uma certa forma, todas as inovações financeiras são descendentes
das técnicas de "alavancagem" e das
tentativas de repartir o risco. Não
fossem os bancos e os mercados de
títulos de dívida e de valores, o capitalismo estaria resfolegando (se é
que estaria) nos tempos da maria-fumaça, do "capitão de indústria" e
da poupança escondida em notas,
graúdas ou miúdas, sob o colchão.
Tudo vai muito bem enquanto os
devedores dispõem de renda ou lucros suficientes para servir a dívida
passada e os mercados secundários
de valores -onde são negociados os
títulos de dívida ou direitos de propriedade- não sofrem uma avara
demanda por liquidez. Na posteridade de um período de excessos, as
carteiras de empréstimos começam
a não vingar, e os mercados de dívida
e de direitos de propriedade, antes
excessivamente confiantes, tornam-se ilíquidos. As perspectivas de
perdas e, no limite, da quebra e da falência obrigam os possuidores de riqueza a fazer caixa, a vender o que há de melhor e mais "líquido" em seu
portfólio. Nos casos extremos, se todos correm para a liquidez, a demanda não pode ser satisfeita. São
muitos os vendedores, inexistentes
os compradores. Os preços despencam e os prejuízos se avolumam.
Na última semana, diante do agravamento da chamada crise do "subprime", os bancos centrais combinaram a formação de um consórcio
para realizar leilões de liquidez. Trata-se de mais uma tentativa de espancar a renitência dos bancos em
rolar as dívidas existentes e, sobretudo, em fornecer novos empréstimos.
A contração do crédito é a forma
mais rápida e eficaz de empurrar a
economia para a recessão. Os juros
do mercado interbancário sobem.
Na ausência de um socorro tempestivo dos bancos centrais, a propagação do pânico ameaça levar à ruptura do sistema de pagamentos. Quando se acentua a percepção de que há
risco de insolvência dos devedores
-como é o caso da massa de créditos
"subprime"-, as intervenções dos
BCs podem falhar. É provável que
impeçam a crise de pagamentos,
mas é duvidoso que tenham força
para evitar a contração do crédito.
A economia norte-americana
atingiu o auge de um ciclo expansivo, turbinada pela inflação de ativos.
O colapso do preço dos imóveis, tudo indica, levará a economia a uma
desaceleração, devido ao caráter cumulativo do processo de ajustamento da riqueza e da renda.
Para piorar, a inflação pede para
entrar em campo. A elevação do PPI
(índice de preços no atacado) revela
não só os efeitos diretos da valorização das commodities nos mercados
globais como o seu poder de contaminar os custos da matriz produtiva
americana. Com esse time de problemas, os BCs e suas políticas enfrentam um desagradável dilema.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de
Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo
Quércia).
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