São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

O dilema dos bancos centrais


As intervenções dos BCs podem falhar quando cresce a percepção de que há risco de insolvência dos devedores

OS BANCOS vivem da "alavancagem", ou seja, da capacidade de emprestar um múltiplo dos depósitos à vista escriturados em seus "livros". Os bancos criam moeda: os depósitos à vista, passivos bancários, podem ser exigidos pelos depositantes, sem pré-aviso, e mobilizados por eles como meios de pagamento.
De uma certa forma, todas as inovações financeiras são descendentes das técnicas de "alavancagem" e das tentativas de repartir o risco. Não fossem os bancos e os mercados de títulos de dívida e de valores, o capitalismo estaria resfolegando (se é que estaria) nos tempos da maria-fumaça, do "capitão de indústria" e da poupança escondida em notas, graúdas ou miúdas, sob o colchão.
Tudo vai muito bem enquanto os devedores dispõem de renda ou lucros suficientes para servir a dívida passada e os mercados secundários de valores -onde são negociados os títulos de dívida ou direitos de propriedade- não sofrem uma avara demanda por liquidez. Na posteridade de um período de excessos, as carteiras de empréstimos começam a não vingar, e os mercados de dívida e de direitos de propriedade, antes excessivamente confiantes, tornam-se ilíquidos. As perspectivas de perdas e, no limite, da quebra e da falência obrigam os possuidores de riqueza a fazer caixa, a vender o que há de melhor e mais "líquido" em seu portfólio. Nos casos extremos, se todos correm para a liquidez, a demanda não pode ser satisfeita. São muitos os vendedores, inexistentes os compradores. Os preços despencam e os prejuízos se avolumam.
Na última semana, diante do agravamento da chamada crise do "subprime", os bancos centrais combinaram a formação de um consórcio para realizar leilões de liquidez. Trata-se de mais uma tentativa de espancar a renitência dos bancos em rolar as dívidas existentes e, sobretudo, em fornecer novos empréstimos. A contração do crédito é a forma mais rápida e eficaz de empurrar a economia para a recessão. Os juros do mercado interbancário sobem.
Na ausência de um socorro tempestivo dos bancos centrais, a propagação do pânico ameaça levar à ruptura do sistema de pagamentos. Quando se acentua a percepção de que há risco de insolvência dos devedores -como é o caso da massa de créditos "subprime"-, as intervenções dos BCs podem falhar. É provável que impeçam a crise de pagamentos, mas é duvidoso que tenham força para evitar a contração do crédito. A economia norte-americana atingiu o auge de um ciclo expansivo, turbinada pela inflação de ativos.
O colapso do preço dos imóveis, tudo indica, levará a economia a uma desaceleração, devido ao caráter cumulativo do processo de ajustamento da riqueza e da renda. Para piorar, a inflação pede para entrar em campo. A elevação do PPI (índice de preços no atacado) revela não só os efeitos diretos da valorização das commodities nos mercados globais como o seu poder de contaminar os custos da matriz produtiva americana. Com esse time de problemas, os BCs e suas políticas enfrentam um desagradável dilema.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


Texto Anterior: Recuperação econômica demora mais para a classe média
Próximo Texto: Ainda há muito o que fazer, afirma operário
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.