São Paulo, quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

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PAULO RABELLO DE CASTRO

O Brasil entra na era do crédito


A expansão recente do crédito no Brasil não tem quase nada a ver com a bolha de crédito norte-americana

A FOLHA noticiou em manchete, no domingo passado, que 21 milhões de brasileiros já carregam dívidas de, pelo menos, R$ 5.000 por cabeça, o que perfaz um total de R$ 430 bilhões devidos aos bancos. O Brasil, como sabemos, amargou duas décadas perdidas em termos de consumo, principalmente pela falta de acesso a crédito em condições razoáveis de prazo e taxas.
Vinte e tantos anos de enorme escassez de linhas normais de financiamento para as famílias e empresas coincidiram com a maior escalada feita pelo governo brasileiro sobre as fontes de crédito existentes nos bancos e nos fundos, tudo para rolar a brutal dívida pública e das empresas estatais.
Na raiz do ataque ao setor privado, que os economistas chamam com o nome pomposo de "crowding-out" (do inglês, empurrar para fora), o governo visava a cobrir seu deficit fiscal. A carga tributária saltou, no período, de 25% do PIB, um nível correto, para mais de 35% nos dias de hoje. Parte do deficit continua sendo fruto da despesa com juros sobre a dívida pública, desproporcionalmente elevada e que compete em importância negativa com duas outras rubricas de gastos excessivos: pessoal e Previdência, ambas superando qualquer parâmetro de comparação com outros países.
Não espanta que o brasileiro tenha ido às compras agora, em 2009, justamente no meio da crise externa e contrariando previsões pessimistas. Por quê? É que o governo, eterno sugador de recursos, resolveu dar uma folga temporária na sua escalada, em razão da paradeira geral, ocorrida ao fim de 2008 e que ameaçava liquidar com as perspectivas de 2009. Agiu sobre os dois elementos críticos, juros e carga tributária. Baixou os dois com vigor, trazendo a taxa básica Selic para um patamar inédito de um dígito, e cortando impostos, como o IPI, para estimular a volta às compras. O consumidor brasileiro deu uma resposta de livro-texto de economia, pois aproveitou os incentivos de preço a ele oferecidos, exatamente como se previu que acontecesse.
A expansão recente do crédito no Brasil não tem quase nada a ver com a bolha de crédito americana. É verdade que o crédito pessoal aqui tem crescido muito. A equipe da RC Consultores estima que o crédito pessoal e habitacional (exclusive a empresas) tem evoluído ao ritmo de R$ 25 bilhões ao trimestre. Deve ultrapassar acréscimo de R$ 120 bilhões por ano durante 2010. É uma nova e poderosa máquina de circular riqueza no Brasil, que ocupa rapidamente os espaços disponíveis nos orçamentos das famílias. Guarda, contudo, uma diferença fundamental em relação aos Estados Unidos: o crédito de longo prazo -que é o habitacional- ainda representa parcela bastante pequena no conjunto do endividamento familiar, embora se expandindo à velocidade de quase 30% ao ano. Portanto, não há que falar em bolha de crédito no Brasil. Ainda chegaremos lá, mas não em 2010.
O desconforto que os observadores mais atentos enxergam é de outra natureza. A poupança interna é baixa no Brasil, fruto dos ataques gêmeos do governo com seus juros ainda altos e tributos indecentes.
Portanto, a capacidade do brasileiro de colaborar no financiamento da expansão futura do país fica reduzida. A poupança interna, como mecanismo de acumulação individual de riqueza, precisa ficar do tamanho da ambição do Brasil, de crescer a 6% ao ano e dobrar sua renda per capita em dez anos. E a taxa de investimentos, chegar aos 25% do PIB.


PAULO RABELLO DE CASTRO , 60, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br


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