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OPINIÃO ECONÔMICA
Apertem os cintos, o turista sumiu!
GESNER OLIVEIRA
A polêmica acerca do fichamento de turistas dos EUA
tem tudo para virar tema de Carnaval. Folclore à parte, o debate
vai continuar mesmo depois da
Quarta-Feira de Cinzas, pois existe uma questão difícil para a Área
de Livre Comércio das Américas
(Alca) de integração e mobilidade
da mão-de-obra.
O piloto Dale Hersh, da American Airlines, que foi preso em
Cumbica por desacato à autoridade, merecia uma ponta no antológico "Apertem os cintos, o piloto sumiu". Revelou, sem a mesma graça do protagonista do filme de Ken Fikleman, a antítese
da seriedade, fleuma e profissionalismo que se esperam de um comandante.
Os sistemas de segurança dos
aeroportos internacionais, especialmente o espetáculo à parte do
governo Bush, lembram uma cena do menos brilhante "Piloto Sumiu, segunda parte", em que uma
velhinha é revistada de forma minuciosa e truculenta enquanto
um grupo de terroristas armados
até os dentes passa olimpicamente pelo controle eletrônico.
Os problemas reais não são resolvidos com jogos de cena. O péssimo e humilhante tratamento a
que sempre foram submetidos os
portadores de passaporte brasileiro nos EUA (e que agora piorou)
não é eficiente do ponto de vista
de segurança. Se o problema fosse
segurança simplesmente, como
explicar o tratamento diferenciado a 27 países? E, para ilustrar
com nações em desenvolvimento,
como explicar o menor controle
sobre nossos parceiros de Mercosul, Argentina e Uruguai, e sobre
a Eslovênia?
É indisfarçável, e mesmo explícito, que o problema é a imigração ilegal. Mas esta não é eliminada pelos controles ostensivos,
por mais convenientes que eles sejam politicamente ao angariar
simpatia fácil nos segmentos menos informados da população e
mais influenciáveis pela pregação
preconceituosa contra o trabalhador estrangeiro.
A imigração, como de resto os
vários fenômenos econômicos e
sociais, respondem a estruturas
de incentivos. Quando se pode ganhar dez vezes mais cruzando a
fronteira, não adianta impor controles policialescos artificiais.
Estes apenas elevam o risco do
trabalho ilegal, aumentando a
exploração nos segmentos informalizados e alimentando a rede
do crime organizado. Assim como
as tentativas vãs de reter o capital
em conjunturas instáveis terminam por afugentá-lo, as barreiras
artificiais ao ingresso de mão-de-obra elevam o diferencial de salário e atraem ainda mais trabalhadores ilegais!
Portanto, a liberdade de movimento da força de trabalho merece na Alca a mesma atenção que
os organismos multilaterais, por
um viés conservador, têm dado
quase que exclusivamente à livre
circulação de mercadorias e de
capital.
O Brasil, que nas últimas décadas passou a ser exportador líquido de mão-de-obra, precisa enfrentar o problema com seriedade
e criar uma agenda de política
pública voltada para o interesse
de seus cidadãos dentro e fora do
país. Itália, Portugal, Grécia e
Turquia, entre outros países, já
enfrentaram, com diferentes
graus de sucesso, a questão.
É evidente que a solução não
passa pela colocação de dificuldades aos cerca de 600 mil visitantes
dos EUA que o Brasil tem recebido anualmente. Esse número já é
ridiculamente pequeno e poderia
ser muito maior se o país apoiasse
de forma consistente o turismo.
Está certo, portanto, o ministro
do Turismo, Walfrido Mares
Guia, em propor a facilitação do
visto para os turistas mediante,
por exemplo, redução ou eliminação da taxa de US$ 100 exigida
para a emissão do documento.
É razoável supor que a demanda por turismo no Brasil é relativamente elástica ao preço. Em
economês, isso quer dizer que pequenas reduções de preço levam a
aumentos proporcionalmente
maiores de quantidade, especialmente para o chamado turismo
de lazer, que, segundo a Embratur, representa 44% do turismo
dos EUA. Se as despesas e os inconvenientes de vir ao Brasil diminuem, aumentam em maior
proporção os gastos efetuados no
país, com efeitos multiplicadores
sobre a produção e o emprego.
De acordo com o "Estudo da
Demanda Turística Internacional 2002", que está disponível em
www.embratur.gov.br, o turista
dos EUA permanece no Brasil
12,81 dias e gasta, em média, US$
106,08 diários, valor 23% superior
ao gasto médio de turistas de todas as origens e 89% maior que o
do turista alemão.
É justo e necessário que o presidente Lula reclame do tratamento discriminatório que os cidadãos brasileiros recebem nos
EUA. Mas deixem as velhinhas
americanas passearem em paz,
sem excesso de burocracia nem
passos forçados de samba no desembarque no Galeão!
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da consultoria Tendências e
ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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