São Paulo, sábado, 17 de janeiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Apertem os cintos, o turista sumiu!

GESNER OLIVEIRA

A polêmica acerca do fichamento de turistas dos EUA tem tudo para virar tema de Carnaval. Folclore à parte, o debate vai continuar mesmo depois da Quarta-Feira de Cinzas, pois existe uma questão difícil para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) de integração e mobilidade da mão-de-obra.
O piloto Dale Hersh, da American Airlines, que foi preso em Cumbica por desacato à autoridade, merecia uma ponta no antológico "Apertem os cintos, o piloto sumiu". Revelou, sem a mesma graça do protagonista do filme de Ken Fikleman, a antítese da seriedade, fleuma e profissionalismo que se esperam de um comandante.
Os sistemas de segurança dos aeroportos internacionais, especialmente o espetáculo à parte do governo Bush, lembram uma cena do menos brilhante "Piloto Sumiu, segunda parte", em que uma velhinha é revistada de forma minuciosa e truculenta enquanto um grupo de terroristas armados até os dentes passa olimpicamente pelo controle eletrônico.
Os problemas reais não são resolvidos com jogos de cena. O péssimo e humilhante tratamento a que sempre foram submetidos os portadores de passaporte brasileiro nos EUA (e que agora piorou) não é eficiente do ponto de vista de segurança. Se o problema fosse segurança simplesmente, como explicar o tratamento diferenciado a 27 países? E, para ilustrar com nações em desenvolvimento, como explicar o menor controle sobre nossos parceiros de Mercosul, Argentina e Uruguai, e sobre a Eslovênia?
É indisfarçável, e mesmo explícito, que o problema é a imigração ilegal. Mas esta não é eliminada pelos controles ostensivos, por mais convenientes que eles sejam politicamente ao angariar simpatia fácil nos segmentos menos informados da população e mais influenciáveis pela pregação preconceituosa contra o trabalhador estrangeiro.
A imigração, como de resto os vários fenômenos econômicos e sociais, respondem a estruturas de incentivos. Quando se pode ganhar dez vezes mais cruzando a fronteira, não adianta impor controles policialescos artificiais.
Estes apenas elevam o risco do trabalho ilegal, aumentando a exploração nos segmentos informalizados e alimentando a rede do crime organizado. Assim como as tentativas vãs de reter o capital em conjunturas instáveis terminam por afugentá-lo, as barreiras artificiais ao ingresso de mão-de-obra elevam o diferencial de salário e atraem ainda mais trabalhadores ilegais!
Portanto, a liberdade de movimento da força de trabalho merece na Alca a mesma atenção que os organismos multilaterais, por um viés conservador, têm dado quase que exclusivamente à livre circulação de mercadorias e de capital.
O Brasil, que nas últimas décadas passou a ser exportador líquido de mão-de-obra, precisa enfrentar o problema com seriedade e criar uma agenda de política pública voltada para o interesse de seus cidadãos dentro e fora do país. Itália, Portugal, Grécia e Turquia, entre outros países, já enfrentaram, com diferentes graus de sucesso, a questão.
É evidente que a solução não passa pela colocação de dificuldades aos cerca de 600 mil visitantes dos EUA que o Brasil tem recebido anualmente. Esse número já é ridiculamente pequeno e poderia ser muito maior se o país apoiasse de forma consistente o turismo.
Está certo, portanto, o ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, em propor a facilitação do visto para os turistas mediante, por exemplo, redução ou eliminação da taxa de US$ 100 exigida para a emissão do documento.
É razoável supor que a demanda por turismo no Brasil é relativamente elástica ao preço. Em economês, isso quer dizer que pequenas reduções de preço levam a aumentos proporcionalmente maiores de quantidade, especialmente para o chamado turismo de lazer, que, segundo a Embratur, representa 44% do turismo dos EUA. Se as despesas e os inconvenientes de vir ao Brasil diminuem, aumentam em maior proporção os gastos efetuados no país, com efeitos multiplicadores sobre a produção e o emprego.
De acordo com o "Estudo da Demanda Turística Internacional 2002", que está disponível em www.embratur.gov.br, o turista dos EUA permanece no Brasil 12,81 dias e gasta, em média, US$ 106,08 diários, valor 23% superior ao gasto médio de turistas de todas as origens e 89% maior que o do turista alemão.
É justo e necessário que o presidente Lula reclame do tratamento discriminatório que os cidadãos brasileiros recebem nos EUA. Mas deixem as velhinhas americanas passearem em paz, sem excesso de burocracia nem passos forçados de samba no desembarque no Galeão!


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da consultoria Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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