São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

O que faz um número redondo


"Mercado" derrubou o dólar e também a expectativa de inflação e os juros da praça. BC vai jogar a toalha da Selic?

O PAÍS FICOU em polvorosa devido a um número redondo: R$ 2,00. O público em geral e econometristas de banco parecem mesmo gostar de numerologia. Mas, assim como usar cabelos compridos desgrenhados e mostrar a língua não nos transforma em Einsteins, o dólar estar a R$ 2,009 ou R$ 1,9988, digamos, não altera em nada o mundo das empresas ou das finanças.
O que se passa é que o "réveillon" do dólar barato, que se convencionou ser o "piso" de R$ 2,00, coincidiu com nova onda de euforia da finança global e nacional. Ao menos na cabeça dos povos do mercado, cresce a chance de juros cadentes nos EUA, enquanto no Brasil é incerto até o corte adicional de um quarto de ponto de porcentagem na nossa taxa aberrante. Além do mais, duas agências de classificação da qualidade de crédito afirmaram no espaço de uma semana que o Brasil parece um país menos caloteiro.
O governo foi agora tomado da azáfama de costurar medidas que reduzam o peso dos impostos sobre empresas avariadas pelo real forte (embora impostos excessivos criem problemas para quase todo mundo).
Os povos do mercado saem-se com salvacionismos disparatados, como abrir "geral" o país às importações (o que é preciso fazer, de modo planejado e inteligente, e em breve, mas não para "resolver" o problema do câmbio, que "melhoraria", por esse método, apenas em caso de grande desordem na economia real). Destamparam a caixa de disparates e esparadrapos econômicos, mais uma.
Voltaram os debates acirrados sobre os volúveis e imprevisíveis efeitos da taxa de câmbio na economia real. Quanto mais acirrado um debate com tantas incertezas, mais certo que estamos ainda mais no terreno de preferências políticas sobre como deve ser a economia do país.
Diz-se que o real forte facilita a compra de máquinas mais sofisticadas, mais baratas, e assim incrementa a produtividade nacional. É verdade, em parte. Mas a compra de máquinas não responde apenas a câmbio. Depende do ritmo total da atividade econômica (PIB), industrial, depende dos setores que estão puxando a economia etc. Associar as duas "variáveis", assim, sem mais, é propaganda, não bom argumento econômico.
Voltou a polêmica exagerada da "desindustrialização". Debate-se o "índice de difusão" do crescimento pelos diversos setores industriais (quanto mais setores estiverem crescendo, ou crescendo tanto ou mais quanto a média da indústria, maior a difusão e, em tese, menores os indícios de desindustrialização).
O índice de difusão tem crescido, sim. Volta ao patamar de 2000 (considerado o número de setores que cresce acima da média da indústria).
Mas, em 2000, a indústria crescia o dobro do que cresce hoje. Há uma difusão da mediocridade, por ora.
A vida é mais complexa do que joguinhos ideológicos com variáveis.

vinit@uol.com.br


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