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Acordo sobre a liberalização é "inevitável", mas será modesto
DO ENVIADO ESPECIAL A PARIS
Dezenove dos 150 países-membros da OMC (Organização Mundial do Comércio) reuniram-se ontem em um cenário
que parecia ideal para promover avanços imponentes ou a
mera sobrevivência da Rodada
Doha, a mais recente e mais
ambiciosa tentativa de liberalização comercial do planeta.
O cenário: a embaixada da
Austrália em Paris, à sombra da
torre Eiffel, um dos mais imponentes ícones turísticos do
mundo. No saguão do prédio,
uma exposição de fotos -entre
elas as de Julianne Rose batizadas de "World Survival Tour"
("tour de sobrevivência do
mundo"), "instalações cínicas",
diz a apresentação.
Ao final da reunião, ganhou a
sobrevivência -senão do mundo, ao menos da rodada-, conforme avaliou o anfitrião, o ministro do Comércio da Austrália, Warren Truss: "Um acordo
é inevitável", decretou, mas
não terá a ambição desejada.
Não se trata de avaliação consensual na OMC, mas tem toda
a lógica, a julgar pelo seguinte
teorema:
1 - O comissário europeu do
Comércio, Peter Mandelson,
comentou durante o encontro
fechado que as negociações caminham bem em termos de estrutura das discussões, mas que
não se chegou ainda à barganha
dos números sobre a liberalização, seja da agricultura (demanda dos países em desenvolvimento, inclusive e principalmente o Brasil), seja em bens
industriais ou serviços (reivindicação dos países ricos).
Quando se chegar à barganha
é que se saberá se o acordo é
mesmo "inevitável" e qual a
ambição que terá.
2 - Acontece que o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, diz
que "a hora é agora" para pôr os
grandes números à mesa, se há
de fato o objetivo de terminar a
negociação até o final do ano.
Explica Lamy: serão necessários de seis a sete meses de trabalho técnico para compor todas as tabelas para redução de
tarifas de importação agrícolas
ou industriais, para cortes de
subsídios internos à agricultura, sem falar no item serviços.
Como os prazos são curtos, o
que justifica a avaliação do ministro australiano sobre a inevitabilidade de um acordo?
Simples: não se trata de um cálculo técnico nem econômico,
mas político.
Medo do fracasso
A avaliação que a Folha ouviu da OMC é a de que agora há
uma maior consciência dos riscos decorrentes de um fracasso, porque o que se chama na
instituição de "os grandes chefes" (o presidente George W.
Bush, por exemplo) retomou o
controle e sabe que um fracasso terá graves conseqüências
geopolíticas e de política interna em muitos países.
Sempre de acordo com essa
avaliação, o Brasil, por exemplo, odiaria ser parte do fracasso porque a afirmação internacional do governo Lula passa,
em grande medida, pela área da
negociação comercial e, nela,
pelas fatias adicionais de mercado que puder obter para sua
competitiva produção agrícola.
Mesmo sob a pressão dos
prazos e dos políticos, os negociadores ainda fazem de suas
reuniões um grande torneio de
oratória, de frases de efeito e de
cutucadas uns nos outros, enquanto não há de fato avanços
palpáveis.
Exemplo: o mordaz Mandelson mastiga um pedaço de baguete com atum, que lhe foi
passado pelos sempre prestimosos assessores, quando a
Folha o cutuca: "Aproveite
bem porque, em ambientes capitalistas, é raro haver almoço
grátis" (alusão à frase originalmente usada em "saloons" norte-americanos e, no século passado, transformada em dístico
do liberalismo).
Mandelson nem termina de
engolir para retrucar: "Tenho a
impressão de que, nesta rodada, tem muita gente querendo
almoço grátis, especialmente
um país que você conhece muito bem".
(CLÓVIS ROSSI)
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