São Paulo, quinta-feira, 17 de maio de 2007

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Acordo sobre a liberalização é "inevitável", mas será modesto

DO ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Dezenove dos 150 países-membros da OMC (Organização Mundial do Comércio) reuniram-se ontem em um cenário que parecia ideal para promover avanços imponentes ou a mera sobrevivência da Rodada Doha, a mais recente e mais ambiciosa tentativa de liberalização comercial do planeta.
O cenário: a embaixada da Austrália em Paris, à sombra da torre Eiffel, um dos mais imponentes ícones turísticos do mundo. No saguão do prédio, uma exposição de fotos -entre elas as de Julianne Rose batizadas de "World Survival Tour" ("tour de sobrevivência do mundo"), "instalações cínicas", diz a apresentação.
Ao final da reunião, ganhou a sobrevivência -senão do mundo, ao menos da rodada-, conforme avaliou o anfitrião, o ministro do Comércio da Austrália, Warren Truss: "Um acordo é inevitável", decretou, mas não terá a ambição desejada.
Não se trata de avaliação consensual na OMC, mas tem toda a lógica, a julgar pelo seguinte teorema:
1 - O comissário europeu do Comércio, Peter Mandelson, comentou durante o encontro fechado que as negociações caminham bem em termos de estrutura das discussões, mas que não se chegou ainda à barganha dos números sobre a liberalização, seja da agricultura (demanda dos países em desenvolvimento, inclusive e principalmente o Brasil), seja em bens industriais ou serviços (reivindicação dos países ricos).
Quando se chegar à barganha é que se saberá se o acordo é mesmo "inevitável" e qual a ambição que terá.
2 - Acontece que o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, diz que "a hora é agora" para pôr os grandes números à mesa, se há de fato o objetivo de terminar a negociação até o final do ano.
Explica Lamy: serão necessários de seis a sete meses de trabalho técnico para compor todas as tabelas para redução de tarifas de importação agrícolas ou industriais, para cortes de subsídios internos à agricultura, sem falar no item serviços.
Como os prazos são curtos, o que justifica a avaliação do ministro australiano sobre a inevitabilidade de um acordo? Simples: não se trata de um cálculo técnico nem econômico, mas político.

Medo do fracasso
A avaliação que a Folha ouviu da OMC é a de que agora há uma maior consciência dos riscos decorrentes de um fracasso, porque o que se chama na instituição de "os grandes chefes" (o presidente George W. Bush, por exemplo) retomou o controle e sabe que um fracasso terá graves conseqüências geopolíticas e de política interna em muitos países.
Sempre de acordo com essa avaliação, o Brasil, por exemplo, odiaria ser parte do fracasso porque a afirmação internacional do governo Lula passa, em grande medida, pela área da negociação comercial e, nela, pelas fatias adicionais de mercado que puder obter para sua competitiva produção agrícola.
Mesmo sob a pressão dos prazos e dos políticos, os negociadores ainda fazem de suas reuniões um grande torneio de oratória, de frases de efeito e de cutucadas uns nos outros, enquanto não há de fato avanços palpáveis.
Exemplo: o mordaz Mandelson mastiga um pedaço de baguete com atum, que lhe foi passado pelos sempre prestimosos assessores, quando a Folha o cutuca: "Aproveite bem porque, em ambientes capitalistas, é raro haver almoço grátis" (alusão à frase originalmente usada em "saloons" norte-americanos e, no século passado, transformada em dístico do liberalismo).
Mandelson nem termina de engolir para retrucar: "Tenho a impressão de que, nesta rodada, tem muita gente querendo almoço grátis, especialmente um país que você conhece muito bem". (CLÓVIS ROSSI)


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