São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Alca: outra integração é possível

FRANCISCO CAMPOS

E ntidades e partidos políticos organizam para este ano o plebiscito sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), a ser realizado entre 2 e 7 de setembro. A participação efetiva do PT dependerá da unidade das forças populares, que é fundamental para o sucesso do plebiscito. Por isso defendemos que na cédula de votação somente sejam incluídas perguntas referentes à Alca, com o objetivo de chamar a atenção sobre os efeitos na economia e na vida dos brasileiros. Somos a favor da integração do continente americano. Entretanto, a Alca, tal como está sendo negociada, não serve aos interesses nacionais.
Na realidade a Alca vem sendo muito criticada. Depois dos reveses nas relações comerciais com os EUA, que cada vez mais protegem a sua economia contra os principais produtos brasileiros, até o presidente Fernando Henrique Cardoso tem feito duras críticas à Alca, embora não se traduzam numa postura ofensiva na defesa dos interesses do Brasil nas rodadas de negociações. Quem leu o artigo de Rubens Ricupero nesta Folha (27/05/2002) sabe a que me refiro. Os representantes brasileiros aceitaram passivamente o acordo sobre tarifas, prejudicial à economia do país. Na rodada decisiva em Isla Margarita, Venezuela, no dia 27 de abril, os EUA não tiveram dificuldades em aprovar as suas propostas, praticamente selando o futuro da Alca.
Aprovaram-se as tarifas básicas das alíquotas de importação -ponto de partida para a redução progressiva, até a eliminação total. No caso dos países do Mercosul, a partir de abril terão de apresentar suas propostas sobre a liberalização de seus mercados, dando início à eliminação paulatina de tarifas de importação. Serão suprimidas as normas restritivas do fluxo de capitais estrangeiros, os mercados estarão abertos à circulação de produtos, livre comércio nos setores de serviço e de compras governamentais, atendendo aos anseios de poderosas multinacionais norte-americanas.
Todas essas decisões foram tomadas em meio ao forte protecionismo dos EUA. O presidente George W. Bush sancionou a Lei Agrícola, liberando subsídios de US$ 180 bilhões, em dez anos, aos agricultores. Antes havia taxado em até 30% o aço importado; o suco de laranja custa em média 50% mais para entrar nos EUA; o álcool etílico é subsidiado; há o sistema de cotas para o açúcar brasileiro; as exportações brasileiras de frutas e vegetais sofrem com a burocracia na tramitação de processos fitossanitários; produtos têxteis são também subsidiados. Estudo realizado pelo Itamaraty revela que os 15 principais produtos brasileiros exportados aos EUA são taxados, na média, em 45,6%, enquanto sobre os 15 principais produtos dos EUA importados pelo Brasil incidem taxas de 14,3% em média.
Ora, como integrar uma área de livre comércio quando o seu principal parceiro adota medidas protecionistas com graves implicações à economia brasileira? Esse já seria um forte motivo para o Brasil se retirar das negociações, caso o governo brasileiro não estivesse blefando ao ameaçar sair. O acordo lesa a nossa soberania, pois, na prática, vamos perder o direito de legislar sobre regras para proteger a nossa economia. Chega-se ao cúmulo de permitir que empresas possam levar à Justiça os governos, alegando perda de lucros ao concorrer com empresas estatais em ramos similares. O acordo também estabelece livre entrada de capital no setor de serviço e de compras governamentais.
O sensato é o Brasil se retirar das negociações. Não haverá Alca sem a participação do Brasil. Representamos mais da metade do PIB da América do Sul, uma economia diversificada, fazemos fronteiras com todo o continente sul-americano, somos um país de enorme importância política e econômica. A saída então é se isolar? Claro que não. O Brasil pode e deve fazer acordos comerciais, desde que ajudem no crescimento econômico. Devemos fortalecer o Mercosul, fazer acordos com os países do Pacto Andino, manter relações bilaterais, analisando caso a caso. O Brasil precisa fazer valer a sua importância regional.
Manter-se nas negociações da Alca, só se fosse alterando toda a lógica que está prevalecendo nos acordos, o que acho muito pouco provável que aconteça. Mudar os rumos da negociação seria estabelecer novos parâmetros, com base nos seguintes pontos:
1) criar mecanismos para que os países ricos, como os EUA e o Canadá, ajudem efetivamente a desenvolver as economias dos países pobres ou em desenvolvimento com o objetivo de, pelo menos, reduzir as desigualdades regionais. Não pode ser bom um acordo de livre comércio numa região de grandes desigualdades regionais;
2) os EUA anularem as decisões protecionistas;
3) aumentar o prazo para a entrada em vigor dos acordos;
4) aprovar a realização de plebiscitos oficiais nos países, para que os povos possam se manifestar se querem ou não o seu país integrado à Alca.


Francisco Campos, sociólogo, é secretário nacional de mobilização do PT.




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