|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Alca: outra integração é possível
FRANCISCO CAMPOS
E ntidades e partidos políticos organizam para este ano
o plebiscito sobre a Alca (Área de
Livre Comércio das Américas), a
ser realizado entre 2 e 7 de setembro. A participação efetiva do PT
dependerá da unidade das forças
populares, que é fundamental para o sucesso do plebiscito. Por isso
defendemos que na cédula de votação somente sejam incluídas
perguntas referentes à Alca, com
o objetivo de chamar a atenção
sobre os efeitos na economia e na
vida dos brasileiros. Somos a favor da integração do continente
americano. Entretanto, a Alca, tal
como está sendo negociada, não
serve aos interesses nacionais.
Na realidade a Alca vem sendo
muito criticada. Depois dos reveses nas relações comerciais com
os EUA, que cada vez mais protegem a sua economia contra os
principais produtos brasileiros,
até o presidente Fernando Henrique Cardoso tem feito duras críticas à Alca, embora não se traduzam numa postura ofensiva na
defesa dos interesses do Brasil nas
rodadas de negociações. Quem
leu o artigo de Rubens Ricupero
nesta Folha (27/05/2002) sabe a
que me refiro. Os representantes
brasileiros aceitaram passivamente o acordo sobre tarifas, prejudicial à economia do país. Na
rodada decisiva em Isla Margarita, Venezuela, no dia 27 de abril,
os EUA não tiveram dificuldades
em aprovar as suas propostas,
praticamente selando o futuro da
Alca.
Aprovaram-se as tarifas básicas
das alíquotas de importação
-ponto de partida para a redução progressiva, até a eliminação
total. No caso dos países do Mercosul, a partir de abril terão de
apresentar suas propostas sobre a
liberalização de seus mercados,
dando início à eliminação paulatina de tarifas de importação. Serão
suprimidas as normas restritivas
do fluxo de capitais estrangeiros,
os mercados estarão abertos à circulação de produtos, livre comércio nos setores de serviço e de
compras governamentais, atendendo aos anseios de poderosas
multinacionais norte-americanas.
Todas essas decisões foram tomadas em meio ao forte protecionismo dos EUA. O presidente
George W. Bush sancionou a Lei
Agrícola, liberando subsídios de
US$ 180 bilhões, em dez anos, aos
agricultores. Antes havia taxado
em até 30% o aço importado; o
suco de laranja custa em média
50% mais para entrar nos EUA; o
álcool etílico é subsidiado; há o
sistema de cotas para o açúcar
brasileiro; as exportações brasileiras de frutas e vegetais sofrem
com a burocracia na tramitação
de processos fitossanitários; produtos têxteis são também subsidiados. Estudo realizado pelo Itamaraty revela que os 15 principais
produtos brasileiros exportados
aos EUA são taxados, na média,
em 45,6%, enquanto sobre os 15
principais produtos dos EUA importados pelo Brasil incidem taxas de 14,3% em média.
Ora, como integrar uma área de
livre comércio quando o seu principal parceiro adota medidas protecionistas com graves implicações à economia brasileira? Esse já
seria um forte motivo para o Brasil se retirar das negociações, caso
o governo brasileiro não estivesse
blefando ao ameaçar sair. O acordo lesa a nossa soberania, pois, na
prática, vamos perder o direito de
legislar sobre regras para proteger
a nossa economia. Chega-se ao
cúmulo de permitir que empresas
possam levar à Justiça os governos, alegando perda de lucros ao
concorrer com empresas estatais
em ramos similares. O acordo
também estabelece livre entrada
de capital no setor de serviço e de
compras governamentais.
O sensato é o Brasil se retirar das
negociações. Não haverá Alca
sem a participação do Brasil. Representamos mais da metade do
PIB da América do Sul, uma economia diversificada, fazemos
fronteiras com todo o continente
sul-americano, somos um país de
enorme importância política e
econômica. A saída então é se isolar? Claro que não. O Brasil pode e
deve fazer acordos comerciais,
desde que ajudem no crescimento
econômico. Devemos fortalecer o
Mercosul, fazer acordos com os
países do Pacto Andino, manter
relações bilaterais, analisando caso a caso. O Brasil precisa fazer valer a sua importância regional.
Manter-se nas negociações da
Alca, só se fosse alterando toda a
lógica que está prevalecendo nos
acordos, o que acho muito pouco
provável que aconteça. Mudar os
rumos da negociação seria estabelecer novos parâmetros, com
base nos seguintes pontos:
1) criar mecanismos para que os
países ricos, como os EUA e o Canadá, ajudem efetivamente a desenvolver as economias dos países pobres ou em desenvolvimento com o objetivo de, pelo menos,
reduzir as desigualdades regionais. Não pode ser bom um acordo de livre comércio numa região
de grandes desigualdades regionais;
2) os EUA anularem as decisões
protecionistas;
3) aumentar o prazo para a entrada em vigor dos acordos;
4) aprovar a realização de plebiscitos oficiais nos países, para
que os povos possam se manifestar se querem ou não o seu país
integrado à Alca.
Francisco Campos, sociólogo, é secretário nacional de mobilização do PT.
Texto Anterior: Indústria de alimentos cresce mais Próximo Texto: Dicas/Folhainvest: Ações - HSBC rebaixa as perspectivas para Petrobras, que emitirá debêntures Índice
|