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Década de 1970 perpetuou a desigualdade
DA SUCURSAL DO RIO
Se o país crescia mais do que
a China em 1973, a década de 70
perpetuou a desigualdade e não
avançou em educação, que poderia elevar a produtividade no
longo prazo.
Um dos problemas apontados por especialistas é que o
forte crescimento e a industrialização experimentados no
"milagre econômico" ampliaram a oferta de trabalho qualificado sem encontrar a contrapartida em número suficiente
de pessoas graduadas. Resultado: faltou gente apta, e os salários dispararam.
Na outra ponta, sobrava
mão-de-obra sem qualificação
e seus rendimentos subiam em
proporção muito menor -surgia a equação da desigualdade.
O economista Delfim Netto
refuta essa tese sob o argumento de que a distribuição de renda não melhorou nem piorou
durante os anos de grande crescimento econômico. No entanto ele reconhece que os salários
do topo da pirâmide social subiram. "Mas todos ganharam. A
renda subiu até mesmo no primeiro decil [os mais pobres]."
"Se naquela época tivessem
prestado atenção, por exemplo,
no nível educacional e investido nisso, o resultado poderia
ter sido bastante distinto", diz
Jaques Kerstenetzky, professor de história econômica da
UFRJ. Em 1973, o país rompia a
barreira dos 100 milhões de habitantes com uma taxa de analfabetismo de 33% (apurada pelo Censo de 1970). Em 2006, o
país ainda tinha o problema
-com 10% de analfabetos entre 181 milhões de brasileiros.
A classe média, no entanto,
fervilhava nos anos 70. O padrão de consumo crescia, introduzindo hábitos novos e equipamentos modernos, como a
TV em cores, a máquina de lavar roupas e os grandes veículos -o "carrão" Opala era um
sonho relativamente possível.
De um certo modo, esse
maior acesso ao consumo, dizem especialistas, abafou a indignação com a repressão.
Perseguido pela censura a
ponto de ficar dois anos proibido de fazer shows em Brasília, o
cantor Ney Matogrosso, líder
dos Secos & Molhados, diz que
nunca ganhou tanto dinheiro
como nos anos 70. "Naquela
época, eu ganhava mais trabalhando o mesmo, fazendo a
mesma quantidade de shows.
Vendia 1 milhão de cópias. Hoje, não sei onde está essa economia maravilhosa que dizem.
Não vejo o dinheiro circular. A
classe média vivia melhor. Hoje, virou indigente."
Victória Grabois, cujos pai,
irmão e marido morreram na
guerrilha do Araguaia, em 1973,
diz que, de fato, a sensação era a
de situação econômica melhor,
apesar de viver como "refugiada" dentro do próprio país.
"Vivia em São Paulo com documento falso. Só não morri
porque voltei da guerrilha para
ter meu filho. O instinto materno foi mais forte", disse.
Com sua "nova identidade",
ela virou professora na rede estadual de São Paulo e, sozinha,
sustentava a mãe e o filho com
relativo conforto. "Foi um período horrível, mas via as pessoas comprarem eletrodomésticos, coisas para a casa. Certamente, com o salário de hoje de
professor, não sustentaria uma
família", diz.
(PS)
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