São Paulo, quarta-feira, 17 de junho de 2009

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PAULO RABELLO DE CASTRO

Muito pior do que o esperado


Os mercados se embalaram numa corrida que em tudo se parece com uma bolha dentro da bolha maior

TEMPOS BICUDOS nos conduzem não só à maior volatilidade dos mercados como também, e isso é menos notado, a intensas variações nas opiniões publicadas. As crenças de hoje são fruto, sobretudo, de mera repetição, mais do que de qualquer convicção formada por análise fria dos acontecimentos.
Na semana passada, boa parte da mídia publicou a queda de 0,8% do PIB brasileiro no primeiro trimestre em relação ao anterior. A interpretação da manchete vinha junto: "A queda é menor que a esperada". Mas esperada por quem? Quanto, afinal, se esperava? A comparação de um número muito ruim com outro pior, supostamente esperado pela média dos "especialistas", gera no mercado a convicção passageira de que certas "metas" foram superadas e estamos muito bem, obrigado. Se isso não é manipulação da notícia, embora sutil, o que mais será?
É natural que prevaleça o otimismo, pois sem ele não há remédio, nem para a economia, muito menos para nossas vidas no vale de lágrimas. O hedonismo contemporâneo, no entanto, empurra-nos a tentar desconsiderar fatos desagradáveis, como qualquer indicador que venha "pior do que o esperado". Se for preciso, troca-se o esperado, para que a realidade difícil se converta em doce esperança. A manipulação interpretativa de fatos da economia não seria tão danosa se ficasse longe da formação das expectativas. Contudo, tal antecipação de uma visão mais "otimista" é exatamente o que se pretende incutir. Nos últimos 90 dias, os mercados se embalaram numa corrida que em tudo se parece com uma bolha dentro da bolha maior. O petróleo voltou ao patamar de US$ 70, enquanto as corretoras americanas (as mesmas!) começam a trombetear o barril a US$ 85 no final do ano. A soja ultrapassou US$ 12 por bushel e, nas Bolsas de países emergentes, o sonho de ganho rápido dos comprados se encoraja enquanto os políticos surfam a esperança do discurso da recuperação à vista em 2010.
A natureza do excesso de euforia mundial enseja, no entanto, uma interpretação bem diversa. Ainda não entendemos bem as características do processo de ajustamento em curso. E menos ainda compreendemos os efeitos de propagação dos "remédios" adotados na crise. A origem desta retração é primariamente financeira e, lá longe, despontou como sendo um problema dos créditos "subprime" no mercado americano de habitações residenciais. Economistas continuam a repetir o mantra da crise do "subprime" sem enxergar corretamente o alargamento pandêmico da deterioração geral das carteiras de crédito na maioria dos países, que ocorre, e ainda ocorrerá, em ondas sucessivas. Os otimistas do "pior já passou" confundem a onda de primeiro choque com os reflexos das demais ondas, cuja formação e tamanho dependem, inclusive, do volume de liquidez recentemente injetado pelos governos para combater os efeitos do impacto correspondente da primeira.
Tampouco contribui para a melhor compreensão do caráter inusitado desta crise a aposta oblíqua de outros tantos economistas ouvidos mundialmente, como o colega Paul Krugman, cuja opinião mais recente, caso não a tenha mudado, é que se enxergará a recuperação dos investimentos já ao final de 2009.
Ao estimular apostas estritamente putativas em torno de uma recuperação baseada na ausência de fundamentos, Krugman está alimentando a eventual surpresa de ver os especuladores que seguem suas opiniões enfrentando realidades bem piores do que a "esperada".


PAULO RABELLO DE CASTRO, 59, doutor em economia pela Universidade de Chicago (Estados Unidos), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

paulo@rcconsultores.com.br


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