São Paulo, domingo, 17 de setembro de 2006

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RUBENS RICUPERO

O velho e o novo


Como os latinos cresceram 5,7% em 2004, e 12 africanos, mais de 6%? A resposta: commodities e China

QUAL FOI a razão principal do crescimento da América Latina e da África nos últimos cinco anos? Como explicar que os latinos tenham crescido 5,7% em 2004 e 12 africanos tenham superado 6%? A resposta básica se resume em duas palavras: commodities e China.
Todos esses países tiveram ganhos nos termos de intercâmbio porque os preços, sobretudo de petróleo e minerais, valorizaram-se em razão da forte demanda. E a demanda vem, acima de tudo, da aceleração da expansão chinesa.
Foi esse o tema que escolhi na conferência em Xangai para comemorar os cinco anos do ingresso da China na OMC (Organização Mundial do Comércio) Ao lado de Pascal Lamy, diretor-geral da organização, estivemos reunidos os membros do Conselho Consultivo sobre a OMC na capital econômica da China, quase todos veteranos do longo processo da negociação, representado pelo negociador-chefe chinês, Long Youngtu, também presente.
O minério de ferro, por exemplo, teve a demanda aumentada dez vezes na China entre 1990 e 2006. Cerca de 80% do aumento da procura mundial proveio da indústria chinesa. O gigante asiático representa hoje 29% da demanda total de minério de ferro e quase um terço da de soja.
Tornou-se também o primeiro importador de borracha natural, madeira tropical serrada, papel e celulose, de diversos metais. Como impulsionador do consumo de commodities, o papel chinês é único. Em primeiro lugar, pelo tamanho. A Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento) comparou a ascensão de Pequim à experiência de japoneses e sul-coreanos, décadas atrás. A diferença é que a população da China (21% da mundial) supera 10 vezes a do Japão e 25 vezes a da Coréia do Sul. Tendo como ponto de partida metade da renda per capita japonesa nos anos 50, as mudanças nos padrões de demanda e consumo da China durarão mais tempo e terão impacto muito maior na composição do comércio global do que a dos outros dragões asiáticos.
O que faz dessa contribuição algo de insubstituível é o dinamismo chinês. As economias avançadas já atingiram nível de saturação no consumo de produtos primários por serem, quase todas, de expansão muito lenta (Europa, Japão), população estagnada ou em regressão (idem) e terem evoluído para tipos de estrutura econômica de serviços, pouco intensiva em commodities. As exceções, os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália, são também grandes produtores e exportadores de bens primários.
A China se encontra, ao contrário, no ponto em que estavam esses países há 120 anos, isto é, em pleno processo de industrialização maciça.
Foi por isso que o declínio das commodities, que durava havia várias décadas e parecia sem volta, só pode ser revertido graças ao poderoso estímulo chinês, equivalente quase a uma nova Revolução Industrial.
Mesmo em alimentos, em que os chineses apresentam nível per capita de calorias próximo dos desenvolvidos, está ocorrendo transformação da composição, mediante a substituição de cereais por vegetais, carnes, laticínios, peixe, frutas, óleos vegetais. Estima-se que, de agora até 2020, a China sozinha representará mais de 40% da demanda adicional por carnes e terá se convertido na maior importadora mundial de produtos agrícolas, passando de US$ 5 bilhões a US$ 22 bilhões. Diferentemente de hindus e árabes, os chineses não possuem tabus alimentares, comem tudo o que se mexe e desmentem a marchinha carnavalesca segundo a qual "chinês come somente uma vez por mês".
O que é novo, na ascensão econômica chinesa, não é o posto proeminente a que está destinada. Afinal, antes da Revolução Industrial e até 1820, o Império do Meio sempre respondeu pela maior parcela da produção mundial, expressão automática de sua supremacia em população, território e grau de civilização.
Nesse sentido, o correto é falar não em emergência mas em reemergência da China após longo adormecimento. O que é novo, de fato, é que esse retorno se faz pelo abandono do velho isolamento e por meio da plena integração da China ao sistema da economia e do comércio do planeta. É esse novo que está mudando a geografia da economia, do comércio e das commodities do mundo.


RUBENS RICUPERO , 69, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.


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