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RUBENS RICUPERO
O velho e o novo
Como os latinos cresceram 5,7% em 2004, e 12 africanos, mais de 6%? A resposta: commodities e China
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QUAL FOI a razão principal do
crescimento da América Latina e da África nos últimos
cinco anos? Como explicar que os latinos tenham crescido 5,7% em
2004 e 12 africanos tenham superado 6%? A resposta básica se resume
em duas palavras: commodities e
China.
Todos esses países tiveram ganhos nos termos de intercâmbio
porque os preços, sobretudo de petróleo e minerais, valorizaram-se
em razão da forte demanda. E a demanda vem, acima de tudo, da aceleração da expansão chinesa.
Foi esse o tema que escolhi na
conferência em Xangai para comemorar os cinco anos do ingresso da
China na OMC (Organização Mundial do Comércio) Ao lado de Pascal
Lamy, diretor-geral da organização,
estivemos reunidos os membros do
Conselho Consultivo sobre a OMC
na capital econômica da China, quase todos veteranos do longo processo da negociação, representado pelo
negociador-chefe chinês, Long
Youngtu, também presente.
O minério de ferro, por exemplo,
teve a demanda aumentada dez vezes na China entre 1990 e 2006. Cerca de 80% do aumento da procura
mundial proveio da indústria chinesa. O gigante asiático representa hoje 29% da demanda total de minério
de ferro e quase um terço da de soja.
Tornou-se também o primeiro importador de borracha natural, madeira tropical serrada, papel e celulose, de diversos metais.
Como impulsionador do consumo
de commodities, o papel chinês é
único. Em primeiro lugar, pelo tamanho. A Unctad (Conferência das
Nações Unidas para o Comércio e o
Desenvolvimento) comparou a ascensão de Pequim à experiência de
japoneses e sul-coreanos, décadas
atrás. A diferença é que a população
da China (21% da mundial) supera
10 vezes a do Japão e 25 vezes a da
Coréia do Sul. Tendo como ponto de
partida metade da renda per capita
japonesa nos anos 50, as mudanças
nos padrões de demanda e consumo
da China durarão mais tempo e terão impacto muito maior na composição do comércio global do que a
dos outros dragões asiáticos.
O que faz dessa contribuição algo
de insubstituível é o dinamismo chinês. As economias avançadas já
atingiram nível de saturação no consumo de produtos primários por serem, quase todas, de expansão muito lenta (Europa, Japão), população
estagnada ou em regressão (idem) e
terem evoluído para tipos de estrutura econômica de serviços, pouco
intensiva em commodities. As exceções, os Estados Unidos, o Canadá, a
Austrália, são também grandes produtores e exportadores de bens primários.
A China se encontra, ao contrário,
no ponto em que estavam esses países há 120 anos, isto é, em pleno processo de industrialização maciça.
Foi por isso que o declínio das commodities, que durava havia várias
décadas e parecia sem volta, só pode
ser revertido graças ao poderoso estímulo chinês, equivalente quase a
uma nova Revolução Industrial.
Mesmo em alimentos, em que os
chineses apresentam nível per capita de calorias próximo dos desenvolvidos, está ocorrendo transformação da composição, mediante a
substituição de cereais por vegetais,
carnes, laticínios, peixe, frutas, óleos
vegetais. Estima-se que, de agora até
2020, a China sozinha representará
mais de 40% da demanda adicional
por carnes e terá se convertido na
maior importadora mundial de produtos agrícolas, passando de US$ 5
bilhões a US$ 22 bilhões. Diferentemente de hindus e árabes, os chineses não possuem tabus alimentares,
comem tudo o que se mexe e desmentem a marchinha carnavalesca
segundo a qual "chinês come somente uma vez por mês".
O que é novo, na ascensão econômica chinesa, não é o posto proeminente a que está destinada. Afinal,
antes da Revolução Industrial e até
1820, o Império do Meio sempre
respondeu pela maior parcela da
produção mundial, expressão automática de sua supremacia em população, território e grau de civilização.
Nesse sentido, o correto é falar não
em emergência mas em reemergência da China após longo adormecimento. O que é novo, de fato, é que
esse retorno se faz pelo abandono do
velho isolamento e por meio da plena integração da China ao sistema
da economia e do comércio do planeta. É esse novo que está mudando
a geografia da economia, do comércio e das commodities do mundo.
RUBENS RICUPERO , 69, diretor da Faculdade de Economia
da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
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