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OPINIÃO ECONÔMICA
Cada um por si e Deus contra todos
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O forte aumento da taxa de
juro básica, decidido em
reunião extraordinária do Comitê de Política Monetária do Banco Central, no início desta semana, foi recebido com perplexidade
e descontentamento. A economia
brasileira já estava basicamente
estagnada e correndo o risco de
entrar em recessão. Com essa alta
dos juros básicos, aliada à decisão
do final da semana passada de
ampliar os recolhimentos compulsórios sobre depósitos bancários, aumenta evidentemente o
risco de recessão.
Além disso, como a maior parte
da dívida pública é de curto prazo
ou referenciada à taxa básica de
juro, a alta dessa última contamina rapidamente as finanças do
governo, contribuindo para fomentar desconfianças quanto à
sua capacidade de administrar e
pagar suas dívidas.
Com taxa de juro mais alta do
que o esperado, crescimento da
economia abaixo do esperado e
dólar acima do esperado, torna-se muito provável que o FMI venha a exigir um aumento do superávit primário das contas públicas. Se isso se confirmar, teremos chegado, em certo sentido, ao
pior dos mundos: com a economia estagnada, ameaçada de recessão, o governo é levado a praticar políticas monetária e fiscal
perversas, de caráter pró-cíclico,
reforçando a tendência recessiva.
Em condições normais, a ameaça
de recessão recomendaria, em
princípio, exatamente o contrário: um abrandamento das políticas monetária e fiscal.
Infelizmente, um país em desenvolvimento que pratica o tipo
de política econômica que o Brasil praticou nos últimos oito anos,
que se envolve até a alma com o
hospício em autogestão conhecido impropriamente como "sistema financeiro internacional",
perde o direito de adotar políticas
econômicas normais.
Agora, nas eleições, os brasileiros estão indicando, de maneira
avassaladora, o seu desejo de mudar a orientação da economia.
Na prática, isso significa reduzir a
dependência em relação a capitais externos e desengajar-se em
alguma medida dos mercados financeiros internacionais.
Pequeno problema: como lembrou um ex-ministro da Fazenda
do Brasil, em debate recente na
Unctad, em Genebra, desengajar-se dos mercados financeiros internacionais é um pouco como pedir
demissão da Máfia...
Neste início do século 21, as finanças internacionais alcançaram uma dimensão, uma velocidade e uma sofisticação sem precedentes. Como costumava dizer
Rudiger Dornbusch, os mercados
financeiros privados são, mais do
que nunca, "trigger happy and
unforgiving" ("rápidos no gatilho
e inclementes"). Já demonstraram, diversas vezes, a sua capacidade de desestabilizar economias
inteiras, inclusive algumas de certo porte, como a Rússia, a Coréia
do Sul e o Brasil.
Há um enorme descompasso
entre a "globalização" financeira
privada e as instituições públicas
internacionais. Não se desenvolveu, no âmbito mundial, uma rede de segurança e regulamentação financeira sequer remotamente comparável às que existem
no plano nacional desde a Grande Depressão dos anos 30 do século passado.
No campo internacional, mercados financeiros do século 21
coexistem com instituições públicas do século 19. Não existe (e não
está em discussão) uma regulamentação global dos fluxos voláteis de capital. Não existe (e também não está em discussão) um
banco central mundial. A principal autoridade monetária internacional, o FMI, é relativamente
pequena em comparação com os
fluxos financeiros privados e
exerce muito precariamente a
função de emprestadora internacional de última instância.
Em suma, "é cada um por si e
Deus contra todos", como diria
Glauber Rocha. Nesse ambiente,
países como o Brasil não podem
trabalhar "alavancados", com alto grau de endividamento e exposição financeira elevada. Temos
que manter déficits reduzidos no
balanço de pagamentos em conta
corrente, controlar os movimentos de capital em âmbito nacional, administrar o perfil da dívida externa e manter reservas internacionais elevadas.
É a árdua tarefa que o próximo
governo terá de enfrentar.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras
nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª
edição, 2002).
E-mail -
pnbjr@attglobal.net
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