São Paulo, terça-feira, 17 de outubro de 2006

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Sem censo, agropecuária vive "apagão estatístico"

Como o IBGE não fez o levantamento em 2005, país não sabe o rebanho que tem

Instituto FNP diz que há 164 mi; IBGE estima que sejam 205 mi e indústria de produtos para animais calcula de 180 mi a 190 mi

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

O país começa a viver um apagão estatístico no setor agropecuário. A não-realização do censo agropecuário, que deveria ter ocorrido no ano passado, coloca em risco uma série de investimentos no setor.
A análise é de Victor Abou Nehmi Filho, do Instituto FNP, consultoria especializada em análises no setor de agronegócio, com tradição na pecuária.
Entre os muitos problemas trazidos por esse vazio estatístico, Nehmi cita o do rebanho bovino brasileiro. Enquanto o IBGE -entidade responsável pelo censo agropecuário, mas que não o fez em 2005 por falta de liberação de verbas do governo- estima o rebanho brasileiro em 205 milhões de cabeças de gado, números do IFNP indicam apenas 164 milhões.
O ministro da Agricultura, Luis Carlos Guedes Pinto, afirmou que o censo é muito importante, mas não sabe dizer se ele será realizado em 2007.
Os desencontros não param por aí. A ausência de um dado único, que sirva de base para todas as entidades ligadas ao setor, faz com que cada uma procure uma referência própria.
O CNPC (Conselho Nacional da Pecuária de Corte), por exemplo, trabalha com um rebanho próximo de 196 milhões de cabeças. Já o Sindan (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal) trabalha com números que vão de 180 milhões a 190 milhões de cabeças.
Ter números mais próximos possíveis da realidade do rebanho é fundamental para as empresas desse sindicato, já que são responsáveis pelo fornecimento de uma extensa gama de produtos para o setor.
Esses desencontros de informações são cruciais neste momento, quando o país assume a liderança mundial nas exportações de carne bovina.
Nehmi diz que números inflados do rebanho podem fazer com que a indústria frigorífica monte unidades em regiões com oferta menor de animais do que o estimado.
As indústrias de produção de insumos para o setor, como vacinas, sais minerais e outros medicamentos, também colocam o planejamento em risco devido à incerteza das estatísticas, segundo Nehmi.

Diferenças
Além das diferenças dos números, os critérios de avaliação do rebanho também acabam confundindo as análises do setor. Mesmo com diferença inicial, os dados do rebanho podem não ser tão distorcidos como indicam à primeira vista.
A diferença básica entre eles é o período de coleta das informações. O IFNP, por exemplo, apresenta o rebanho médio, enquanto o IBGE indica o total de animais no último dia útil do ano. A diferença entre esses dois critérios é grande. O nascimento dos bezerros concentra-se na primavera, somando, em dezembro, de 30 milhões a 35 milhões de cabeças a mais do que em agosto.
Nehmi diz, no entanto, que o critério usado no mundo para medir o rebanho é o da média anual, que inclui os bezerros nascidos e também os abates que vão ocorrendo durante o ano. Esse é o critério usado pelo IBGE no último censo agropecuário, em 1995, diz Nehmi.
O IBGE defende os seus critérios para apuração dos dados. Adriana Helena Gama, analista socioeconômica da área de pecuária do IBGE, diz que "nossos dados são um levantamento feito em instituições sérias de pesquisa". Entre elas, estão as Ematers, a Embrapa e unidades regionais do IBGE.

Vacinas
Já Nehmi afirma que o IFNP cruzou uma série de dados para chegar ao rebanho de 164 milhões. Um deles é a venda de vacinas, mas esse número deve ser olhado com reserva.
A diferença entre o volume de vacinas comprado e o realmente usado pelos pecuaristas pode chegar a até 20%, dependendo do Estado. Na média, as perdas são de 5% a 7%.
Outro dado importante levantado, segundo Nehmi, é o tamanho das pastagens em cada Estado. Nos últimos anos, devido à forte queda nos preços da carne, houve migração de pecuaristas para atividades mais rentáveis, diminuindo a área de pastagens. As novas atividades procuradas, principalmente no centro-sul foram soja, cana-de-açúcar e eucalipto, segundo Nehmi.
Para chegar à estimativa do rebanho, o IFNP cruzou também os dados de desmatamento. Desde 96, foram desmatados 20,2 milhões de hectares, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). No período, a área destinada à agricultura e ao reflorestamento somou 15 milhões de hectares; a de pastagens, 5 milhões.


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