São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Pobreza intelectual condena políticas econômicas

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

No "Wall Street Journal" , Robert L. Bartley reclamou na semana passada da miséria da inteligência econômica nos Estados Unidos. Bartley entrou no "Journal" em 1962 e há 25 anos é editorialista e responsável pelas áreas de opinião de todas as edições do principal jornal econômico internacional. Na Folha, Emir Sader, professor de sociologia da USP e da Uerj, cobrou em artigo publicado na última sexta-feira uma "teoria da saída do neoliberalismo e do tipo de sociedade que o substituirá".
Dizem que não existem coincidências. O fato é que tanto o ideólogo de direita quanto o intelectual de esquerda sentem-se frustrados e céticos com relação ao futuro pela mesma razão: a inexistência de boa teoria, coisa que existe apenas quando há bom debate e inteligência coletiva.
Bartley recomenda a Bush, cuja economia está entalada numa crise de confiança, rumando para a deflação e em estado de guerra, que consulte os economistas da era Reagan, os "supply-siders". E lamenta que muitos talentos intelectuais confiáveis do ponto de vista ideológico estejam agora manchados pelas mutretas financeiras com que se envolveram em Wall Street. A vitória política de Bush não anula o fardo de uma economia fragilizada. Alan Greenspan (presidente do banco central dos EUA) sai de cena em junho de 2004, talvez antes.
No Brasil, a pobreza intelectual do debate econômico também é visível, e o professor Sader cobra, antes de mais nada, uma avaliação cuidadosa da herança neoliberal. Não é o que revela o discurso petista, cada vez mais colado à retórica da chamada sabedoria convencional.
Para atender ao reclamo de Sader, seria preciso ter no Brasil a mesma coisa que Bartley cobra nos Estados Unidos: "liderança intelectual".
Celso Furtado, reunido no Rio de Janeiro com Lula e Maria da Conceição Tavares, declarou apenas que o petista por enquanto dança a música que os mercados querem ouvir. Se, como quer o professor, "derrotamos o neoliberalismo", a primeira vítima deveria ser a política econômica que, à custa de juros altos (dizem agora que é preciso elevá-los ainda mais), aperto fiscal brutal (dizem que é preciso arrochar ainda mais) e obediência ao Fundo Monetário Internacional (que estaria patrocinando esse garrote duplo) impede exatamente o que se pretende, a saber, a utilização da política econômica para desenhar um novo modelo econômico. Programas contra a fome são oportunos e louváveis, mas os indicadores sociais mudarão apenas se mudar a política econômica.
Na economia global, a descoordenação entre Estados Unidos e União Européia é a manifestação global de ausência de liderança intelectual na economia. Na semana passada, Alan Greenspan sublinhou a diferença de modelos entre o banco central norte-americano (o Fed) e o BCE (Banco Central Europeu). Nos Estados Unidos, a autoridade monetária tem o mandato de combater a inflação e defender o nível de emprego. Na União Européia, o BCE herdou do banco central alemão a cultura antiinflacionária obsessiva e não inclui a defesa do emprego nas suas atribuições.
No Brasil, o debate se limita a saber se o BC vai ser independente ou autônomo.
Talvez seja pobreza intelectual (como quer Bartley), talvez seja falta de uma boa teoria (visão de Sader), o fato é que em nenhum lugar se sabe ao certo como redesenhar as instituições e inventar novas fórmulas de política econômica.



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