São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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TRABALHO EM XEQUE

Se proposta do PT de acabar com contribuição obrigatória for aprovada, muitos sindicatos serão extintos

Fim de "subsídio" expõe caixa-preta sindical

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

As propostas do governo petista para modernizar a estrutura sindical brasileira, como o fim da contribuição compulsória, vão abalar os cofres dos 15,96 mil sindicatos existentes no país, com impacto também nas federações e nas confederações. Mais: vão expor a caixa-preta da arrecadação do sistema sindical no Brasil.
A contribuição sindical sustenta boa parte dos sindicatos de patrões e de empregados e suas federações e confederações -isto é, se esse imposto acaba, as organizações vão ter de encontrar outras formas para obter receita.
E essa contribuição obrigatória é a única fonte oficial disponível para medir a receita do setor -o recolhimento é feito pela CEF (Caixa Econômica Federal). De janeiro a outubro deste ano, esse imposto rendeu R$ 583,9 milhões.
Outras contribuições negociadas entre sindicatos, federações e confederações não são contabilizadas por nenhum órgão público ou privado -por essa razão, o valor da arrecadação é desconhecido. Estima-se, porém, que a contribuição sindical represente um terço do que o setor arrecada. Os dois terços restantes compõem a caixa-preta de sindicatos, federações e confederações.

Garantia da CLT A contribuição sindical a que Luiz Inácio Lula da Silva pretende pôr fim é garantida pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) há mais de 40 anos. Os trabalhadores registrados, sócios ou não dos sindicatos, são obrigados a contribuir com um dia de salário por ano, e as empresas, com um percentual sobre a receita.
De 1998 até outubro deste ano, esse imposto já rendeu R$ 2,61 bilhões. Os sindicatos ficaram com 60% desse valor; as federações, com 15%; as confederações, com 5%; e o Ministério do Trabalho, com os 20% restantes.
As outras fontes de receita dos sindicatos são a contribuição confederativa (custeia confederações nacionais, federações estaduais e sindicatos), a contribuição assistencial ou negocial (cobrada como resultado das negociações salariais feitas pelos sindicatos) e a mensalidade de sócios. Os valores cobrados devem ser definidos nos estatutos de cada organização e aprovados em assembléia -mas essa não é a regra.
"Os estatutos são feitos a portas fechadas e guardados a sete chaves. E, como os sindicatos não são fiscalizados, não interessa abrir para ninguém essas contas", afirma Cássio Mesquita Barros, professor de direito do trabalho da USP (Universidade de São Paulo).

Sem interferência
A fiscalização nas contas dos sindicatos era feita pelo governo até 1988. "O Estado não pode mais interferir na vida financeira dos sindicatos desde a Constituição. Temos de acreditar na boa-fé dos sindicalistas para ter idéia de quanto eles arrecadam", afirma Maria Lúcia Di Iorio Pereira, secretária de relações do trabalho do Ministério do Trabalho.
A dificuldade em saber o quanto entra no caixa dessas organizações foi constatada pelo próprio IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na elaboração da Pesquisa Sindical 2001.
Os questionários preenchidos por essas entidades não tinham dados suficientes para identificar o tamanho da arrecadação. Quando havia informação, os pesquisadores notaram que os valores estavam subestimados.
"Falta clareza na gestão financeira e transparência na cobrança de taxas, mas isso não significa que elas não possam ser cobradas. O sindicato deve cobrar pelos serviços que presta", diz Fernando Moro, advogado trabalhista.

Comparar modelos
O fato de o governo Lula querer discutir a reforma sindical vai trazer à tona o que até agora estava restrito apenas à cúpula dos sindicatos. Para realizar as mudanças, será preciso abrir a caixa-preta e também comparar o modelo dos sindicatos brasileiros com o de outros países, na análise de especialistas no setor sindical.
"Fora do Brasil, onde há liberdade sindical, os sindicatos dependem só dos associados, como um clube. Aqui existe sindicato que cobra até quatro taxas", afirma Luiz Inácio Barbosa Carvalho, sócio da consultoria Sussekind.
A arrecadação com as contribuições acabou se transformando num bom negócio. E isso explica, em parte, o crescimento do número de sindicatos no país nos últimos dez anos. Pelo levantamento do IBGE, em 2001 existiam 15,96 mil sindicatos de empregadores e de empregados no país, 43% a mais do que em 1991.
Esse crescimento, na análise de Eduardo Mendonça, gerente da pesquisa sindical do IBGE, é reflexo da disputa acirrada pela representatividade, o que resultou na fragmentação dos sindicatos. Alguns especialistas já afirmam que o número cresceu porque abrir um sindicato é um bom negócio por causa das contribuições.
O Ministério do Trabalho recebe cerca de cem pedidos de registro sindical, em média, por mês. De janeiro a setembro deste ano foram feitos 802 pedidos e concedidos 266 registros. "Quantos líderes sindicais existem no país? É preciso tanto sindicato no país?", questiona Maria Lúcia.
Para ela, o país precisa de uma reforma sindical urgente. O Ministério do Trabalho, diz, tem o poder de conceder o registro de um sindicato, mas só pode analisar o aspecto formal do pedido.
"Se a documentação está em ordem, somos obrigados a dar o registro. Não podemos interferir na organização." Maria Lúcia diz que não adianta o país ter sindicatos fragmentados, pois isso reduz a representatividade do setor.
Nos sindicatos representativos, diz ela, a contribuição sindical é até devolvida aos trabalhadores -é a criação desse tipo de sindicato, dizem os especialistas, que tem de ser estimulada no país.



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