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HA-JOON CHANG
Coreano Ha-Joon Chang, da Universidade de Cambridge, diz que, a longo prazo, país perde com o bloco
Para especialista, Alca tende a destruir indústria brasileira
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Professor da faculdade de economia e política da Universidade
de Cambridge, o coreano Ha-Joon Chang, 40, não é apenas um
crítico das negociações comerciais que ocorrem no âmbito da
OMC (Organização Mundial do
Comércio) e da Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Para ele, os países desenvolvidos atuam nessas duas arenas
com boa dose de cinismo, ao pretender tirar das mãos dos países
em desenvolvimento as mesmas
armas que usaram em sua própria
trajetória de crescimento econômico: subsídios, proteção à indústria local e desrespeito à propriedade intelectual.
Essa é a principal tese de seu livro "Kicking Away the Ladder"
(Chutando a Escada), que deverá
ser lançado neste ano no Brasil
pela editora Unesp. Especialista
em desenvolvimento e autor de
obras sobre temas como política
industrial, papel do Estado na
economia e globalização, Ha-Joon esteve no Brasil na semana
passada para participar de seminários no Rio e em São Paulo.
O professor acha que o Brasil
deveria rejeitar a Alca, pois o país
é o único que tende a perder com
a implantação de uma zona de livre comércio na região. "Sua indústria seria destruída", afirmou.
"Se você é El Salvador ou Equador, não tem muito a perder. São
países que não têm uma indústria,
de qualquer maneira. Mas o Brasil
tem muitas potencialidades que
podem ser destruídas. Vocês podem ganhar no curto prazo com
mais acesso ao mercado agrícola,
mas, e a longo prazo?"
O professor também tem análises preocupantes sobre a economia brasileira, apesar da euforia
dos mercados com relação à política econômica do governo Lula.
"Se olharmos para outros países,
a média de lucro na indústria manufatureira é de 4% a 5%. Com taxa de juros reais entre 10% e 12%,
ninguém vai querer ter negócios.
É mais fácil comprar um monte
de títulos do governo."
A seguir, trechos da entrevista
que concedeu à Folha:
Folha - As negociações na OMC
(Organização Mundial do Comércio) podem avançar depois do que
ocorreu em Cancún?
Ha-Joon - A menos que os países
desenvolvidos mudem sua postura, as negociações vão morrer.
Eles estão tentando
forçar os países em
desenvolvimento a
aceitar coisas que
são fundamentalmente contrárias a
seus interesses e,
por isso, há fracassos sucessivos.
Seattle fracassou
em 1999. O encontro ministerial seguinte, em Doha,
em 2001, só não
fracassou também
por causa de Osama Bin Laden. Depois do 11 de Setembro havia uma
grande simpatia
em relação aos
americanos. E os
americanos diziam
"se você é contra o
livre mercado, você está com os terroristas".
Havia uma mistura de simpatia e
medo, que levou os
países em desenvolvimento a engolirem uma série
de coisas, mas, em Cancún [que
sediou a reunião da OMC em setembro], foi diferente. Não havia
a mesma conjunção política, e os
países em desenvolvimento disseram: "Por que vamos fazer isso?
Esses caras estão prometendo
muito pouco".
E não era nem mesmo promessa. Os países desenvolvidos continuam dizendo "nós vamos fazer o
máximo para permitir acesso a
mercado", mas sem fixar datas
nem estabelecer metas. Ao mesmo tempo, dizem para os países
em desenvolvimento que, em
2015, eles devem derrubar suas tarifas para o mesmo nível adotado
nos países desenvolvidos, além de
acabar com as regras que limitam
investimentos estrangeiros.
Folha - O G22, grupo que reuniu
países em desenvolvimento criado
em Cancún, pode ter sucesso?
Ha-Joon - Acho que o G22 é um
fato muito importante na política
internacional. Antes de Cancún,
só a Índia resistia às pressões dos
países desenvolvidos. Os americanos e os europeus podiam facilmente ignorar sua posição, dizendo que se tratava apenas de um só
país apegado ao passado.
Mas dessa vez você tem a China,
que acabou de entrar na OMC, e o
Brasil com um novo governo, que
tem uma atitude mais independente nas relações internacionais.
Esses três países conseguiram formar uma nova aliança de países
em desenvolvimento não vista
desde a década de 70. Não creio
que o novo grupo vá se desfazer.
Folha - Por quê?
Ha-Joon - Porque agora você
tem três grandes, importantes e
independentes países trabalhando juntos, e isso é novo. A Índia
sentia-se muito isolada no passado. Uma vez ou outra, a Índia e, às
vezes, a Malásia faziam algum barulho, mas era difícil para esses
países se organizarem.
Folha - Mas alguns países que integravam o G22, como Peru e Colômbia, deixaram o grupo em razão de pressões dos Estados Unidos. O poder de atração do mercado norte-americano não é grande o
suficiente para desarticular esse tipo de organização dos países em
desenvolvimento?
Ha-Joon - Certamente é um fator
importante. O grau de pressão
que os países desenvolvidos podem exercer sobre os países em
desenvolvimento é potencialmente muito grande. Não é só o
acesso ao mercado norte-americano. Eles podem dizer a vários
países que não vão dar mais dinheiro, por exemplo, de suas
agências de ajuda. É muito difícil
para os países em desenvolvimento suportarem essa pressão.
Mas o ponto é que eles estão
sendo forçados a aceitar algo que
é tão contrário aos seus interesses
que até os países em desenvolvimento mais pobres são capazes
de dizer não. Eles sabem que, se
disserem sim para isso, é o fim.
Folha - Em sua opinião, qual deveria ser
a postura do Brasil na
negociação da Alca
(Área de Livre Comércio das Américas), na
qual não há China
nem Índia para formação de um bloco
que se contraponha
aos Estados Unidos?
Ha-Joon - A Alca
sem o Brasil não teria sentido. O México já está no Nafta
[área de livre comércio dos EUA, México e Canadá], então
não muda muito para o país. No resto da
América Latina, fora
o México, o Brasil é a
única economia relevante. Sem o Brasil, a Alca não tem
significado. Por isso,
o Brasil está em uma
posição forte para
dizer não. Se o Brasil
diz "não", pode ser
fácil reunir países
mais fracos na Alca, mas não significaria muito.
Folha - Mas o Brasil não tem muito a perder em termos de acesso ao
mercado norte-americano, que é o
principal destino individual das exportações brasileiras?
Ha-Joon - No curto prazo vocês
podem ter benefícios, mas, a longo prazo, o melhor para o Brasil é
não assinar a Alca.
Folha - Por quê?
Ha-Joon - Porque a sua indústria
seria destruída. O Brasil será o
grande perdedor da Alca. Se você
é El Salvador ou Equador, você
não tem muito a perder. São países que não têm uma indústria, de
qualquer maneira. Mas o Brasil
tem muitas potencialidades que
podem ser destruídas. Vocês podem ganhar no curto prazo com
mais acesso ao mercado agrícola,
mas, e a longo prazo?
As pessoas ficam falando de ineficiência e protecionismo à indústria. Mas é muito melhor ter uma
indústria protegida do que nada.
Folha - O sr. é um estudioso e um
entusiasta da adoção de políticas
industriais. O governo brasileiro
está tendo atuação satisfatória
nessa área?
Ha-Joon - É natural que o governo esteja mais interessado em temas macroeconômicos, porque
são temas mais urgentes. Política
industrial tem a ver mais com o
longo prazo. Se você não investe
em educação, não investe em pesquisa e desenvolvimento, você só
vai sentir os efeitos depois de dez
anos. O governo tende a se focar
mais em problemas financeiros e
macroeconômicos. Mas não é a
coisa certa a fazer se considerarmos o longo prazo.
Pode funcionar por dois ou três
anos, mas, em dez anos, vocês vão
estar competindo com países que
adotaram políticas industriais.
Talvez em dez anos vocês estejam
competindo com o Vietnã. Vietnã
é hoje o segundo maior produtor
de café do mundo e eles não produziam café.
Folha - Como o sr. vê a economia
brasileira?
Ha-Joon - Bem, a taxa de juros
real de vocês é de 10%, 12%. Talvez haja regras econômicas diferentes no Brasil, mas, se você
olhar para outros países, a média
de lucro na indústria manufatureira é de 4% a 5%. Se você mantém a taxa de juros reais entre 10%
e 12% significa que ninguém vai
querer ter negócios. É mais fácil
comprar um monte de títulos do
governo.
Matematicamente é impossível
continuar nessa situação. Ou vocês reduzem a taxa de juros e aumentam a taxa de crescimento
econômico -assim há mais lucros e pagamentos da Previdência
e maior superávit fiscal- ou vocês terão de renegociar a dívida.
Folha - Qual é a opção que o sr.
considera mais provável?
Ha-Joon - No momento, acho
que o governo brasileiro está com
muito medo de fazer qualquer
coisa que possa ofender os investidores. Eles vão tentar continuar
os pagamentos da dívida e reduzir
a taxa de juros. Mas, com a existência das restrições que o país
enfrenta, eu não creio que possam
fazer muito. Talvez possam trazer
a taxa de juros real para 8%, mas
não para menos.
Folha - O governo deveria tentar
renegociar a dívida?
Ha-Joon - Acho que deveria tentar tudo o que pode. A longo prazo é muito importante aumentar
a capacidade de exportação, para
reduzir essa restrição crônica do
balanço de pagamentos. Mas isso
exige investimentos, e aí você tem
um problema do tipo "o ovo ou a
galinha". Se você tem uma situação na qual não pode investir, como você investe para mudar essa
situação no futuro? É uma coisa
muito difícil.
Talvez tenha de
haver uma combinação de alguma
reestruturação de
dívida, que possa
ser feita de maneira mais organizada
que a da Argentina, por exemplo,
mais o esforço para
aumentar as exportações, no curto a médio prazo,
dando incentivos
fiscais.
Eu fiquei chocado ao descobrir
que o Brasil não
tem uma agência
estatal de exportações, como Japão e
Coréia do Sul, por
exemplo, têm. Essas agências dão
suporte mercadológico a pequenos
e médios exportadores. Se eles tivessem ajuda para alcançar clientes fora
do Brasil haveria
muito mais espaço para o aumento das exportações.
Sempre cito o contraste entre o
café brasileiro e o colombiano. O
Brasil é "o" país do café, mas os colombianos têm sido muito inteligentes em fazer um marketing intensivo de seu café. Se você vai para a Coréia e pergunta às pessoas,
eles dirão que o café colombiano é
o melhor.
Folha - Qual pode ser o impacto
para o sistema multilateral de comércio se os EUA ignorarem a decisão da OMC que considerou irregulares as barreiras
americanas à importação de aço?
Ha-Joon - Os americanos sempre tiveram essa tendência
ao unilateralismo.
Quando as negociações da OMC em
Cancún fracassaram
eles disseram "bem,
agora vamos nos focar em acordos bilaterais ou regionais".
Os americanos são
bem capazes de ignorar decisões com
as quais não concordam. Se isso acontecesse, em larga escala seria um grande
problema, porque
voltaríamos ao sistema da Liga das Nações posterior à 1ª
Grande Guerra, que
era uma organização da qual não participava o país mais
forte. Por isso, se
tornou sem sentido.
Era um sistema internacional sem
o país mais forte.
Se isso ocorre com a OMC haverá muita tensão, porque os outros
países não têm o poder que os
norte-americanos têm. Eles precisam da OMC para impor sua vontade, os americanos, não. Essa é a
parte difícil, como mantê-los [os
EUA] dentro da organização.
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