São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

VINICIUS TORRES FREIRE

Não vai dar para todo mundo


Semana da boquinha pública revela paixão nacional pelo Estado, que vai acabar por sufocar trabalho e produção

A CULTURA brasileira brilhou nesta semana. A cultura da boquinha estatal. Fazia tempo que a gente não ouvia, em tão pouco tempo, tanto cantar de gafanhoto, tanto cricri de corporações ávidas de dentadas adicionais no dinheirinho público.
Não foi tanto o tamanho do desfalque que impressionou, o qual não foi pequeno, porém: digamos quase meio Bolsa Família, se consideradas as mordidas de deputado, senador e efeitos "cascata", de promotor, juiz, do "pessoal da cultura" e dos "amigos do esporte" de levar o doce do povaréu. Mais contagiante foi o torpor de repulsa entediada causado pela exibição caricata e concentrada de cara-de-pau, todo mundo rasgando os trapos da fantasia "republicana" para meter a mão no cofre.
Diante de despesas como salários de servidores, INSS e juros, as avançadas de juízes, promotores, parlamentares, culturistas, esportistas etc, parecem café pequeno. Mas imagine a miríade de corporações que agem em surdina, de subsídios empresariais indevidos e inúteis que virão no pacotão do Lula, de empresas de publicidade que mamam a marquetagem do governo, as redes de ONGs a sugar milhares de caraminguás mal explicados. Imagine então que o PMDB ainda nem desembarcou no governo.
"Não vai dar para todo mundo" ou "tem, mas acabou". Como nas piadas, o mesmo pode-se dizer de fundos públicos e da capacidade social de criar riqueza -de produzir.
Aos subsídios para ricos somam-se os gastos agora insustentáveis com o salário mínimo (e, por tabela, com a Previdência e com os salários nos governos). O mínimo e similares ao menos acabam na mão de pobres, mas cada vez mais se tornam mero método de redistribuir pobreza.
Não há boas medidas da participação do trabalho no produto do país, tão preocupados que ficamos com estatísticas financeiras. Mas é significativo que a renda do trabalho tenha caído 13% nos últimos dez anos.
O PIB per capita subiu, embora míseros 7%, no período. A renda dos aposentados no INSS subiu 100%.
Nessa década, o estoque de ativos de fundos de investimento e de pensão passou de 20% do PIB para 60%, a maior parte aplicada em juros da dívida do governo, que foi de 30% para 50% do PIB. São rendas que engordam a conta de ricos. O mundo do trabalho fica para trás.
A elite ávida ou saqueadora, o subsídio para ricos, o gasto insustentável, a falta de investimento, a política econômica manca, pensa para a estabilização, tudo parece conspirar para fazer do Brasil uma baleia encalhada. Para piorar, chegamos à democracia com a pior desigualdade de renda do mundo (ignore-se a África). Assim, o distributivismo das "Bolsas", em parte inevitável, tornou-se traço estrutural da política. Governo e sociedade inflam o Estado, que tenderá a sufocar a sociedade. Os pobres primeiro.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: José Alexandre Scheinkman: A agenda minimalista do presidente
Próximo Texto: Advogados e sindicatos são procurados por supostas vítimas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.