São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Analogias falaciosas


Países de moeda fraca têm dificuldades em manter boas condições de crédito interno e a estabilidade da moeda

O ECONOMISTA Jagdish Bhagwati, ícone dos partidários do livre comércio, tem fustigado a liberdade concedida ao movimento de capitais.
Segundo ele, há quem pretenda justificar a mobilidade internacional de capitais a partir de uma analogia imprópria com a teoria das vantagens comparativas, sustentáculo das postulações que recomendam a maior liberdade possível no comércio de mercadorias e serviços. Assim, conforme essa visão, os países que sustentam déficits crônicos em transações correntes revelam "preferência" pelo consumo presente em relação ao consumo futuro e, portanto, têm uma vantagem comparativa na venda de seus ativos em troca de endividamento, o que é compensado pela preferência oposta dos países superavitários e credores.
A vida real não combina com esse conto de fadas. Os movimentos de capitais dos países credores para os devedores são, e sempre foram, pró-cíclicos, para desgosto dos que acreditam em Papai Noel ou em modelos mais tolos do que inúteis. Nas economias periféricas, de moeda não-conversível -isto é, com demanda nula por parte de agentes de terceiros países-, o consumo se expande na fase de ingresso líquido de capitais e sofre violentas contrações quando o movimento se inverte, não raro subitamente. Num ambiente internacional de livre movimentação de capitais, os bancos centrais dos países de moeda fraca encontram dificuldades em manter, simultaneamente, boas condições de crédito doméstico e a estabilidade de sua moeda.
O controle da liquidez em moeda forte é, portanto, crucial para a sempre precária combinação entre estabilidade e crescimento nas economias de moeda não-conversível. Os países periféricos mais bem-sucedidos, como a China e a Índia, preferiram manter controles seletivos e pragmáticos de câmbio e de capitais.
Acumulam reservas elevadas em moeda forte (dólares ou euros) para evitar "choques de desvalorização" que possam afetar negativamente a taxa de juros doméstica.
Os estudos que procuram avaliar os efeitos dos controles de capitais e as intervenções no mercado de câmbio sobre o desempenho das economias emergentes não são conclusivos. Os resultados econométricos são, para dizer pouco, ambíguos. As condenações peremptórias de tais procedimentos -apontadas como geradoras de ineficiência alocativa- partem mais freqüentemente de doutrinadores e ideólogos, sem uma base empírica sólida. A experiência recente parece mostrar, no entanto, que no rescaldo das crises os constrangimentos sobre as políticas monetária e fiscal são mais duradouros no caso dos países que abriram imprudentemente suas contas de capital, surfaram nos ciclos de liquidez externa e permitiram amplas flutuações de suas moedas nacionais.
Quanto aos regimes cambiais, a literatura mais recente está convergindo, um tanto tardiamente, para duas conclusões (é espantoso que alguns brasileiros ainda insistam no receituário desacreditado dos anos 90): 1) não é recomendável a adoção de regimes cambiais "extremos" (taxa fixa ou livre flutuação), e 2) os bons "fundamentos" fiscais (sobretudo a dinâmica da dívida pública interna) podem reduzir substancialmente os prêmios de risco, mas não eliminam -sem reservas alentadas- o prêmio de liquidez na formação das taxas de juros domésticas.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 64, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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