São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

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ANÁLISE

"Helicopter Ben" enfrenta maior desafio

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Os BCs podem em breve recorrer às suas mais poderosas armas contra a deflação: a licença para imprimir dinheiro e a liberdade para "lançá-lo de helicóptero". Será que as armas funcionarão? Inquestionavelmente, sim: se usadas de maneira impiedosa, eliminarão a deflação. Mas voltar à normalidade será muito mais difícil.
Bernanke pronunciou um célebre discurso sobre o tema em novembro de 2002. As autoridades temiam, então, que os EUA em breve seguissem o Japão no caminho da deflação.
Bernanke insistiu, na ocasião, em que "a chance de deflação nos EUA é extremamente pequena no futuro previsível".
Mencionou "a força do nosso sistema financeiro" e que "os balanços empresariais e domiciliares estão majoritariamente em boa forma". Seis anos e uma bolha de habitação e crédito depois, ele deve se sentir não só mais triste como mais sábio.
A posição dele era também a de que "a melhor maneira de escapar a um problema é não entrar nele". O medo da dificuldade de reverter as expectativas deflacionárias explica por que o Fed vem reduzindo as taxas de juros tão rapidamente.
A deflação é uma probabilidade realista? Os indicadores centrais de inflação sugerem fortemente que não. Por que, então, os BCs deveriam temer a deflação? Primeiro, ela torna impossível que a política monetária convencional propicie taxas reais de juros negativas.
Quanto mais rápida a deflação, mais altas serão as taxas. Segundo, a "deflação de dívidas" -o valor real ascendente das dívidas à medida que os preços caem- se torna uma ameaça letal. Nos EUA, onde a dívida do setor privado disparou de 118% do PIB em 1978 para 290% em 2008, a deflação de dívidas pode deflagrar uma espiral de queda que envolveria insolvência em massa, queda na demanda e deflação ainda maior.
O Fed já adotou diversas medidas pouco convencionais para manter a economia à tona.
Em 10 de dezembro, o balanço do banco central atingiu os US$ 2,2245 trilhões, um salto de US$ 124 bilhões na semana e de US$ 1,378 trilhão em um ano, com ampla gama de papéis públicos e privados em sua carteira. Se isso continuar por muito tempo, o Fed pode se tornar o maior banco do mundo.
E ele está enfrentando restrições? Na verdade, não. Mesmo quando os juros chegarem a zero, o Fed pode relaxar ainda mais a política monetária. Imagine o que aconteceria caso um alquimista soubesse transformar chumbo em ouro, a custo zero. O ouro não valeria muito.
Os BCs podem criar quantias infinitas de dinheiro a custo zero. E assim podem reduzir seu valor a nada também.
Assim, o que podem fazer os BCs? Podem reduzir os juros de prazo mais longo ao adquirir o máximo possível de títulos do governo ou ao prometer manter baixas as taxas de juros por um período prolongado. Podem fazer empréstimos diretos ao setor privado. De fato, podem adquirir quaisquer ativos privados, a qualquer preço, e em qualquer quantidade. Também podem adquirir ativos denominados em moedas estrangeiras. E podem financiar os governos.
Já as autoridades fiscais podem operar com o déficit que desejarem e depois financiá-lo emitindo papéis de curto prazo que o BC teria de comprar, para manter o juro baixo. Na fronteira do juro zero, a política fiscal e a monetária se unificam.
Mas o reverso também é verdade: o BC pode enviar dinheiro a cada cidadão. É essa a idéia de jogar dinheiro de um helicóptero, proposta pelo economista liberal Milton Friedman.
A esta altura, deve haver quem esteja imaginando por que o Japão enfrentou a deflação por tanto tempo. Faço pouca idéia. Mas a explicação parece ser o comedimento do Banco do Japão e do Ministério das Finanças. Contenção como essa não se fará sentir nos EUA.
Assim, será que o Fed afogará o mundo em dólares e nos permitirá despertar do pesadelo?
A resposta é não.
Assim que a inflação retornar, o Fed terá de vender ativos para sugar o dinheiro excedente que criou contra a deflação.
Já o governo precisará reduzir seu déficit a dimensões passíveis de financiamento pelos mercados. De outra forma, as expectativas deflacionárias podem rapidamente se tornar expectativas de inflação.
Ironicamente, chegamos ao presente em parte porque o Fed tinha tanto medo da deflação há seis anos. Uma bolha de crédito mais tarde, Bernanke precisa enfrentar aquilo que então temia, em larga medida devido aos esforços de prevenção do Fed. Perigos semelhantes surgirão em breve, com as medidas drásticas que parecem cada vez mais prováveis.
Desta vez, suspeito, o resultado final não será deflação, mas inflação inesperadamente alta, ainda que daqui a muitos anos.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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