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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Dólar: força ou fraqueza?
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Nas últimas semanas, a
desvalorização do dólar em
relação ao euro sofreu uma forte
aceleração. O ímpeto da moeda
européia recuou um pouco depois
das declarações do presidente do
Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, que chamou a
atenção para os riscos envolvidos
na "excessiva e perigosa volatilidade das taxas de câmbio". Nos
últimos 12 meses, o dólar sofreu
uma desvalorização de 30%
diante da moeda européia. Informações recentes mostram que os
fluxos de capitais para os Estados
Unidos vêm caindo desde meados
de 2002, apesar da solidariedade
compulsória dos países superavitários da Ásia que aplicam suas
reservas em títulos americanos.
No mundo de hoje, em que predominam a globalização financeira, a securitização das dívidas
e os derivativos, as avaliações diárias e quase instantâneas nos
mercados secundários determinam os movimentos das taxas de
câmbio e de juros. Esses dois preços fundamentais são formados,
sobretudo, a partir das expectativas de valorização/desvalorização dos ativos denominados em
moedas distintas.
As antecipações quanto aos movimentos dos diferenciais de juros
e seus efeitos sobre alterações nas
taxas de câmbio podem provocar
mudanças nos preços dos ativos,
da mesma forma que as mudanças "autônomas" nos preços dos
ativos podem afetar as taxas de
câmbio e as relações entre taxas
de juros nas diferentes moedas.
Em um sistema de taxas flutuantes, ampla e rápida mobilidade de capitais e provimento de
liquidez efetuada a partir do mercado, as taxas de juros e de câmbio se tornam "endógenas" e exprimem as mudanças de expectativas dos possuidores de riqueza.
Na segunda metade da década
de 90, os Estados Unidos, mesmo
com um déficit em conta corrente
em ampliação, foram capazes de
se beneficiar de uma forte revalorização de sua moeda (depois de
uma queda pronunciada em
1995). A economia cresceu a taxas
elevadas e as expectativas otimistas impulsionavam os preços dos
ativos. Devido à sua capacidade
de atrair recursos externos para
os mercados de "securities" (ações
e bônus públicos e privados), os
americanos puderam se dar ao
luxo de sustentar uma política
monetária expansionista, apesar
da acelerada ampliação do déficit
em conta corrente. Ademais, as
sucessivas crises das moedas e dos
mercados financeiros na periferia
incitaram a demanda por títulos
do governo norte-americano,
considerados de maior qualidade. O fluxo de capitais e os bons
resultados fiscais do período de
"alto crescimento" permitiram a
manutenção das taxas de juros de
longo prazo em níveis confortáveis.
A partir de 2001, a "correção de
preços" nas Bolsas de Valores e a
"recessão de crescimento" juntaram-se ao elevado déficit externo
e à rápida inversão do resultado
fiscal (de um superávit de US$
200 bilhões para um déficit que se
aproxima dos US$ 450 bilhões)
para empurrar o dólar para baixo.
A visão convencional acredita
que o aumento dos déficits gêmeos vai empurrar o dólar para
níveis ainda mais baixos. Essa
desvalorização, dizem, caso ocorra de forma rápida, deverá acelerar a saída dos ativos denominados na moeda americana, o que,
por sua vez, vai acentuar a queda
do dólar As taxas de juros de longo prazo vão começar a subir, tornando a curva de rendimentos
mais inclinada, exigindo do Federal Reserve uma elevação das taxas curtas. Neste momento, não é
seguro afirmar se estamos diante
de uma tendência firme ou se, como de outras vezes, a moeda
americana vai recuperar a sua
força.
Desde o início dos anos 80, a política do dólar forte vem permitindo à economia americana retomar o crescimento sem pressões
inflacionárias, com elevação dos
salários reais e expansão da demanda nominal acima da renda
corrente. Os Estados Unidos conseguem, simultaneamente, obter
transferências de liquidez, de renda real e de capitais do resto do
mundo. À elevação do déficit comercial corresponde uma tentativa de obtenção de saldos comerciais crescentes dos demais países
industrializados.
O ciclo dos anos 90 comprovou
a eficácia e o poder dessa forma
de integração financeira e produtiva: a abertura das contas de capital do resto do mundo propiciou ao mercado financeiro dos
Estados Unidos a oportunidade
de comandar uma formidável expansão do crédito à produção e
ao consumo. A alavancagem das
famílias e das grandes empresas
produtivas e o elevado endividamento do setor financeiro americano são a contrapartida do portentoso afluxo de capitais, mobilizado a partir das posições superavitárias em conta corrente acumuladas na Ásia e na Europa e
das saídas de recursos dos países
deficitários e devedores.
Exportar é a solução para todos,
menos para a economia dominante, cuja solução é importar
barato.
Luiz Gonzaga Belluzzo, 60, é professor
titular de Economia da Unicamp (Universidade de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos
do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia
do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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