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LUÍS NASSIF
O cantor de São Paulo
São Paulo tem suas melodias. Para a minha geração,
os hinos de São Paulo são "Sampa", de Caetano Veloso, e "Ronda", de Paulo Vanzolini. Para a
de minha mãe, "Lampião de
Gás", de Zica Bergami. Para meu
avô, o "Bonde Camarão", de Cornélio Pires. Para meus filhos, provavelmente o de Zé Rodrix, recém-composto.
Há o "Hino do Quarto Centenário", um dobrado do nível de John
Phillip de Souza, de autoria de
Garoto e Chiquinho do Acordeon,
e ainda um outro hino de Mário
Zan, que muitos confundem com
o de Garoto.
Mas talvez a música mais bonita já composta para a cidade seja
"Perfil de São Paulo", de um compositor de Barretos, falecido em
30 de junho de 1995, Francisco de
Assis Bezerra Menezes, advogado
boêmio, formado no Largo São
Francisco, integrante das caravanas musicais dos tempos de estudante e, depois, compositor com
alguns sucessos expressivos.
"Aonde estão seus sobrados / de
longos telhados / e seus lampiões",
é o início de um dos hinos mais
belos já oferecidos a uma cidade,
quase à altura da "Valsa de uma
Cidade", para o Rio de Janeiro.
Na Faculdade de Direito, Bezerrinha (como era chamado) fazia
parte de um grupo eclético, que
incluía Paulo Autran, Renato
Consorte, Paulo Vanzolini, todos
envolvidos com arte, nenhum
pensando em ser profissional. Semanalmente se reuniam na casa
de Inezita Barroso, cujo marido
era da faculdade.
Antes disso, nos anos 40, Bezerrinha decidiu ser expedicionário
para conhecer a Itália. Voltou,
entrou na faculdade e na boemia.
Em novembro de 1953 -me informa o meu amigo Pelão-, venceu o concurso de Hino do Quarto
Centenário promovido pela rádio
Excelsior, hoje CBN. O primeiro
intérprete desse clássico foi Silvio
Caldas. O segundo, a Orquestra
de Luiz Arruda Paes. Depois, Inezita, Agnaldo Rayol, Jair Rodrigues.
Bezerrinha voltou para Barretos e sua casa se tornou centro de
boemia de todos os cantores que
se apresentavam na cidade. Vez
por outra Inezita ia para lá e varavam a noite, Bezerrinha ao piano e sua mulher Lígia, carioca de
erre puxado e boa cantora.
Antes mesmo do prêmio, em
1952, visitando Barretos, antes de
uma síncope nervosa com a notícia da morte de Francisco Alves,
Isaurinha Garcia conheceu e depois gravou "Estava Escrito" ("Estava escrito / desde o começo / que
eu te amaria / a qualquer preço").
Ela aprendeu a música por meio
de um alfaiate da cidade, metido
a maestro, que depois se transformaria em um dos principais arranjadores brasileiros, o rei dos
metais Élcio Álvares.
A primeira música gravada de
Bezerrinha foi com Albertinho
Fortuna, cantor de voz aveludada
que fez sucesso no início dos anos
50. Foi "Triste Quarta-Feira"
("Eu sinto que entre nós / nada
mais existe nesta quarta-feira").
Depois, a belíssima vedete Luely
Figueiró foi inaugurar uma loja
em Barretos, conheceu o repertório de Bezerrinha e gravou "Miragem", regravada depois por Rosana Toledo e pelo Conjunto Farroupilha, segundo me conta o radialista José Vicente Dias Leme,
memória viva da cidade.
Emérito boêmio, Bezerrinha
compunha desde músicas da noite, sambas canções, até modas de
viola divertidíssimas, como "Burro Chucro" ("Amontei num burro
chucro / mode uma aposta ganhá"). É dele também "A Festa do
Peão", que se transformou no hino oficial de Barretos.
O nome de Bezerrinha não
consta de nenhuma enciclopédia
de música. Pelão promete um CD
com músicas dele. Dias Leme é o
grande defensor de sua memória.
Ambos concordam que uma de
suas músicas inéditas, "Bom dia
São Paulo", é o clássico definitivo
sobre a cidade.
Ainda dá tempo de algum artista sensível correr até Barretos,
atrás da família, recuperar o
"Bom Dia São Paulo" e, no dia 25,
oferecer a primeira audição para
a cidade: "Boa noite meu viaduto
do Chá / vou chegar até o Paysandu / o Ponto Chic me espera por lá
/ o chopp gelado e o bauru / São
pequenas coisinhas / que prendem São Paulo no coração".
"Boa noite Bexiga / cigarra boêmia / de um mundo bonito demais / e antes que pinte o amanhã
/ um chateaubriand no velho Morais".
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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