São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

O câmbio e as marchas da indústria


Porta-voz de exportadores avalia riscos e estratégias comerciais das fábricas, mas não toca só a tecla do real forte


HÁ MUITA ilusão de ótica sobre o caso das exportações, diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil.
Embora tenha suas queixas sobre o câmbio, Castro chama a atenção para outros fatores que pesam no preço do produto nacional. Por exemplo: o custo dos salários da manufatura brasileira é mais alto que o da concorrência. O peso dos impostos também e recai mais sobre as cadeias produtivas mais complexas. A infra-estrutura é ruim. O real forte somou o insulto a injúrias antigas.
Mas muita indústria ainda exporta, certo? "É preciso analisar a situação em cada tipo de negócio", diz Castro, 58, consultor e administrador de empresas por formação.
"Quem depende de muito componente importado, por exemplo, sofre menos ou vai bem. Outro caso importante é o das exportações de grandes multinacionais, feitas em acordo com a matriz. As operações não seriam compensadoras para uma empresa nacional, mas continuam a ser feitas pelas múltis por motivos estratégicos -e não se sabe por quanto tempo. E as múltis têm 70% da manufatura brasileira", diz.
"Se vão exportar ou não depende da estratégia da matriz. Claro, se a rentabilidade cair muito, passam a vender da Ásia. Mas a relação entre câmbio e exportação nessas empresas não é tão direta e imediata", diz.
Castro chama a atenção também para uma possível "ilusão de ótica" no resultado das exportações.
"Empresas maiores conseguem financiar suas vendas a longo prazo. Antecipam receitas, aplicam em reais a juro alto. Compensam parte da perda de renda com o câmbio. Mas isso quer dizer que já recebemos hoje o dinheiro de embarques que só vão ocorrer daqui a um ou dois anos", observa Castro. Isto é, se muitas empresas abandonarem o mercado externo, pode haver uma queda abrupta do saldo comercial.
Além do mais, negócios realizados agora refletem contratos fechados com câmbio mais favorável; podem não ser renovados. "Depois fica difícil retomar o lugar. Por alguns anos, um exportador de outro país ficará com o contrato. As exportações demoram para se recuperar. Lembre-se do que ocorreu com a desvalorização de 99. Levou tempo para recuperar o saldo comercial", diz Castro.
O empresário também não acredita que o dólar barato favoreça uma grande renovação das fábricas. "O investimento está sendo feito no exterior, para aproveitar custos menores e/ou vantagens comerciais. Se você olha em detalhe os investimentos em bens de capital [máquinas e equipamentos], há gastos com material de escritório, computadores, construção civil, para usinas elétricas, mas não em fábricas", diz.
Mas, além de importantes em si mesmos, tais investimentos não acabariam por "puxar" o resto ou parte da indústria? "Sim, é importante, mas não moderniza nem torna mais produtiva a manufatura. A internacionalização das empresas está ocorrendo cada vez mais pelo investimento, e não pela exportação", responde Castro. De resto, o empresário faz questão de ressaltar a diferença entre valor e quantidade de bens exportados -esta última desacelera desde 2005, e agora quase parou de crescer.
"A quantidade de exportação é que gera de imediato expansão física, investimento, emprego. Se meu preço sobe, mas a quantidade não, não preciso expandir [fábricas]."
O administrador de empresas é pessimista: "Há alguns anos, falava-se em transformar o Brasil em plataforma de exportação [de manufaturados]. A plataforma adernou".

vinit@uol.com.br


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