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São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2003

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LUÍS NASSIF

O país da contravenção

Recebo carta de Paulo Borghert, vice-presidente executivo do Sindicom (o sindicato que congrega as grandes distribuidoras de combustível do país), negando que suas associadas adquiram álcool com sonegação de tributos.
Diz que "empresas como Agip, BR Distribuidora, Esso, Ipiranga, Repsol, Shell e Texaco contribuem para o recolhimento anual de mais de R$ 47 bilhões aos cofres públicos e pela geração de 300 mil empregos no país".
A coluna de anteontem não as acusou de sonegação. O que disse é que a falta de controle sobre o mercado de álcool gerou um processo em que esse álcool acabou chegando até as grandes distribuidoras por expedientes tortos.
As menores adquirem álcool dando como destino Estados que cobram ICMS menor, descarregam o produto em usinas desativadas, que operam como "barrigas de aluguel", e esse produto acaba sendo vendido para distribuidoras maiores.
Essas informações me foram passadas por José Carlos de Figueiredo Ferraz, membro do conselho da Única (União da Agroindústria do Estado de São Paulo).
O que Borghert sustenta é que o setor nunca compactuou com essa situação (o que é verdade), que sempre reivindicou rigor do governo no combate à sonegação (o que é verdade) e que, junto com empresas dos setores de fumo, bebidas e cervejas, criou o ETCO (Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial) para combater a sonegação, a pirataria e o contrabando.
De fato, o trabalho tem sido nessa direção. Os grandes distribuidores, junto com a Única, estão apoiando a proposta do governador Geraldo Alckmin de unificar a alíquota do ICMS para álcool, acabando com o espaço para esse tipo de golpe, informa Figueiredo Ferraz.
O fato é que, nesse longo período de descrédito do trabalho de repressão à sonegação, os golpes se avolumaram, as distribuidoras da contravenção ganharam "market share" no mercado, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) inacreditavelmente se recusava a divulgar nomes de postos que adquiriam produtos falsificados. E essa competição desleal acabou levando o setor inteiro a procurar saídas.
É isso o que explica, segundo dados de Figueiredo Ferraz, que o consumo de álcool hidratado tenha sido de 450 milhões litros por mês, e a venda das usinas, de apenas 250 milhões.
Só as pequenas distribuidoras não conseguiriam ter dado vazão a essa diferença.
A pergunta que ninguém responde é: quando é que se vai atacar de frente o crime organizado? Quando é que as distribuidoras que falsificam produtos serão fechadas e seus donos, presos? Quando é que os donos de postos que adquirem produtos falsificados serão co-responsabilizados pelos crimes da sonegação e da falsificação?
Até quando este será o país dos "promocenters" da vida, em que a sonegação se dá reiteradamente, em locais públicos e de grandes movimento? Este é o mesmo país que aumentou violentamente a carga tributária nos últimos anos, que permite a convivência sem riscos com a contravenção, mas que pune rigorosamente o empresário que declara seu imposto e que, por problemas conjunturais, não consiga pagá-lo em dia.

E-mail -
luisnassif@uol.com.br


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