|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
Belo Monte de equívocos
CÉLIO BERMANN
ESPECIAL PARA A FOLHA
A insistência do governo de
levar adiante o projeto de Belo
Monte mostra que a lógica técnica e econômica cedeu o lugar
à obsessão. Com graves consequências que não se restringem
às populações indígenas e comunidades ribeirinhas do rio
Xingu. Elas serão também sentidas nos bolsos de todos nós,
consumidores de eletricidade.
O espectro do "apagão" parece ser a única justificativa para
a construção dessa usina. Entretanto, ela também aponta o
modelo de desenvolvimento
que se quer dar à região amazônica e ao nosso país. A energia a
ser produzida pela usina não
será utilizada para aliviar a pobreza e incorporar uma parcela
da população que sempre esteve excluída das benesses do
consumo. Ela será destinada a
satisfazer a demanda de grandes grupos mínero-metalúrgicos na perpetuação do modelo
que se apropria dos recursos
naturais e das águas dos rios da
região para produzir bens de
baixo valor agregado e de alto
conteúdo energético para exportação. A isso chamam de desenvolvimento. E a que custos?
As tentativas de reduzir as
consequências socioambientais da obra, com a operação a
fio d'água, isto é, sem um grande reservatório capaz de regular a vazão, apenas trouxeram
mais problemas e proporcionaram uma sucessão de equívocos, técnicos e econômicos.
Belo Monte foi superdimensionada. A capacidade de 11,2
mil MW só estará disponível
durante três meses do ano. Nos
meses de setembro e outubro,
quando o rio Xingu fica naturalmente mais seco, a capacidade instalada aproveitável da hidrelétrica não será maior do
que 1.088 MW médios.
O resultado é que a energia
terá um preço elevado. A definição pelo governo do preço-teto em R$ 83 por MWh, além
de já ter afugentado potenciais
investidores (Odebrecht e Camargo Corrêa, que constituíam
um consórcio, já abandonaram
a disputa do leilão), somente
será assegurada por meio do
aporte do Tesouro Nacional, isto é, de nós, contribuintes.
Outro equívoco: o custo do
empreendimento passou dos
iniciais R$ 4,5 bilhões para os
atuais R$ 19 bilhões. As empresas envolvidas com as obras
(empreiteiras e fabricantes de
equipamentos), por sua vez, estimam um custo mínimo de R$
30 bilhões. O BNDES se dispõe
a financiar 80% do custo. Ao
mesmo tempo, o banco espera
uma nova capitalização do Tesouro para assegurar essa participação. Assiste-se a um exercício de engenharia financeira
para viabilizar a obra com toda
sorte de renúncia fiscal e isenções que trarão aumento desproporcional da dívida pública.
Apesar de todas as críticas,
levantadas de forma sistemática por um painel de especialistas constituído por diversos
cientistas e professores de importantes universidades do
país (disponível em http://tinyurl.com/ykjplsu), a intenção de manter o leilão para a
licitação na próxima semana
demonstra que são apenas os
interesses eleitoreiros que prevalecem.
É preciso reabrir o debate do
modelo de desenvolvimento
que queremos para o nosso
país. Está na hora de rever a
concepção dos projetos hidrelétricos na Amazônia. E abandonar aqueles que levam à destruição de seus rios e de culturas de seus habitantes.
CÉLIO BERMANN, 57, é professor associado do
Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo.
cbermann@iee.usp.br
Texto Anterior: Sem emprego, população apoia construção de usina Próximo Texto: Análise: Luz versus escuridão Índice
|