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OPINIÃO ECONÔMICA
Alarmismo sobre a dívida
GESNER OLIVEIRA
O rápido crescimento da dívida pública interna no período do Plano Real é naturalmente um tema suculento de
campanha eleitoral, mas nem
sempre é tratado com o devido
cuidado.
O estoque da dívida mobiliária
federal interna passou de R$ 60,7
bilhões em julho de 1994 para R$
624,1 bilhões em dezembro de
2001, representando crescimento
de 928%. Mas não basta constatar esse fato para condenar a política econômica, muito menos para propor um calote na dívida.
Estudo recente da Secretaria do
Tesouro Nacional detalha os fatores que causaram essa variação
de cerca de R$ 563 bilhões na dívida no período mencionado. De
longe, o principal deles foi o efeito
gerado pela absorção, pela União,
das dívidas de Estados e municípios. Isso representou cerca de
60% do acréscimo da dívida.
Tal renegociação foi importante
para o ajuste fiscal pois permitiu,
depois de sucessivas tentativas
fracassadas no passado, um acerto estável entre os Estados e a
União. Esse arranjo foi acompanhado por medidas disciplinadoras das finanças dos Estados e
municípios importantes. Estes últimos passaram a apresentar superávits primários a partir de
1999, contribuindo para o resultado global do setor público.
É precisamente nesse ponto que
reside um dos contrastes mais claros entre o Brasil e a trágica situação da Argentina. O descontrole
das contas com as Províncias
constitui uma das maiores dificuldades para o ajuste fiscal no
vizinho do Mercosul.
O efeito dos juros sobre o acréscimo da dívida foi obviamente
significativo, tendo representado
19,4% -cerca de um terço da
contribuição da renegociação das
dívidas dos Estados. Mas o peso
relativo dos chamados passivos
contingentes -de 15,5%- não
fica muito atrás.
Os passivos contingentes, popularmente conhecidos como "esqueletos", constituem dívidas da
União que foram explicitadas.
Sua contabilização transparente
não representa uma piora da situação do endividamento, mas
procedimento correto que aumenta a credibilidade e, consequentemente, diminui o risco de
emprestar para o governo, contribuindo para reduzir o custo da
dívida no médio prazo.
O restante do crescimento se explica por outros fatores, incluindo
os abatimentos da dívida oriundos dos recursos das privatizações
e da geração de superávits primários. Além disso, foi criado um
colchão de gerenciamento, isto é,
uma captação adicional para se
prevenir contra crises, em valor
aproximado de R$ 45 bilhões.
A dívida pública brasileira como proporção do PIB não é elevada para os padrões internacionais. A dívida pública dos EUA,
cujos títulos são hoje parâmetro
internacional para o cálculo de
risco-país, atingiu, no ano fiscal
de 2001, o montante de US$ 5,9
trilhões -cerca de 56% do PIB
daquele país.
Isso não quer dizer que a dívida
não exija administração cuidadosa, procurando, mediante mecanismos de mercado, alongar
seu prazo médio, diminuir seu
custo de carregamento para o Tesouro e tornar o débito menos
sensível a variações da taxa de
câmbio. A combinação entre a
austeridade fiscal e a redução
gradual da taxa de juros permitirá restabelecer as condições de
crescimento para a economia.
As opiniões alarmistas em relação à expansão da dívida pública
visam frequentemente justificar a
estratégia diametralmente oposta
de calote. Isso dilapidaria a credibilidade conquistada pelo país,
elevaria o prêmio de risco às nuvens e comprometeria as chances
de expansão da produção e do
emprego. Aí sim o país teria um
problema insolúvel de dívida.
Gesner Oliveira, 45, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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