São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Alarmismo sobre a dívida

GESNER OLIVEIRA

O rápido crescimento da dívida pública interna no período do Plano Real é naturalmente um tema suculento de campanha eleitoral, mas nem sempre é tratado com o devido cuidado.
O estoque da dívida mobiliária federal interna passou de R$ 60,7 bilhões em julho de 1994 para R$ 624,1 bilhões em dezembro de 2001, representando crescimento de 928%. Mas não basta constatar esse fato para condenar a política econômica, muito menos para propor um calote na dívida.
Estudo recente da Secretaria do Tesouro Nacional detalha os fatores que causaram essa variação de cerca de R$ 563 bilhões na dívida no período mencionado. De longe, o principal deles foi o efeito gerado pela absorção, pela União, das dívidas de Estados e municípios. Isso representou cerca de 60% do acréscimo da dívida.
Tal renegociação foi importante para o ajuste fiscal pois permitiu, depois de sucessivas tentativas fracassadas no passado, um acerto estável entre os Estados e a União. Esse arranjo foi acompanhado por medidas disciplinadoras das finanças dos Estados e municípios importantes. Estes últimos passaram a apresentar superávits primários a partir de 1999, contribuindo para o resultado global do setor público.
É precisamente nesse ponto que reside um dos contrastes mais claros entre o Brasil e a trágica situação da Argentina. O descontrole das contas com as Províncias constitui uma das maiores dificuldades para o ajuste fiscal no vizinho do Mercosul.
O efeito dos juros sobre o acréscimo da dívida foi obviamente significativo, tendo representado 19,4% -cerca de um terço da contribuição da renegociação das dívidas dos Estados. Mas o peso relativo dos chamados passivos contingentes -de 15,5%- não fica muito atrás.
Os passivos contingentes, popularmente conhecidos como "esqueletos", constituem dívidas da União que foram explicitadas. Sua contabilização transparente não representa uma piora da situação do endividamento, mas procedimento correto que aumenta a credibilidade e, consequentemente, diminui o risco de emprestar para o governo, contribuindo para reduzir o custo da dívida no médio prazo.
O restante do crescimento se explica por outros fatores, incluindo os abatimentos da dívida oriundos dos recursos das privatizações e da geração de superávits primários. Além disso, foi criado um colchão de gerenciamento, isto é, uma captação adicional para se prevenir contra crises, em valor aproximado de R$ 45 bilhões.
A dívida pública brasileira como proporção do PIB não é elevada para os padrões internacionais. A dívida pública dos EUA, cujos títulos são hoje parâmetro internacional para o cálculo de risco-país, atingiu, no ano fiscal de 2001, o montante de US$ 5,9 trilhões -cerca de 56% do PIB daquele país.
Isso não quer dizer que a dívida não exija administração cuidadosa, procurando, mediante mecanismos de mercado, alongar seu prazo médio, diminuir seu custo de carregamento para o Tesouro e tornar o débito menos sensível a variações da taxa de câmbio. A combinação entre a austeridade fiscal e a redução gradual da taxa de juros permitirá restabelecer as condições de crescimento para a economia.
As opiniões alarmistas em relação à expansão da dívida pública visam frequentemente justificar a estratégia diametralmente oposta de calote. Isso dilapidaria a credibilidade conquistada pelo país, elevaria o prêmio de risco às nuvens e comprometeria as chances de expansão da produção e do emprego. Aí sim o país teria um problema insolúvel de dívida.


Gesner Oliveira, 45, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br



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