São Paulo, sábado, 18 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO


Os baixos padrões dos Estados Unidos

PAUL KRUGMAN

 O título original deste artigo era "America's Poor Standards", um trocadilho, em inglês, com o nome da agência de classificação de risco

Na terça-feira , a Standard & Poor's, uma agência privada de classificação de risco, anunciou que tomaria uma medida sem precedentes. Tentaria impor normas contábeis substancialmente mais severas do que as requeridas pelo governo federal dos Estados Unidos. Em lugar de tomar os relatórios das empresas por seu valor de face, a Standard & Poor's corrigirá os números a fim de eliminar o que considera tratamento pouco apropriado de despesas "extraordinárias", receitas de fundos de pensão e, acima de tudo, opções de ações -uma parte ponderável da remuneração dos executivos que, de alguma maneira, sob os padrões federais, não precisa ser considerada como uma despesa de negócios. A estimativa de "receita corrigida" da Standard & Poor's para as 500 maiores empresas dos Estados Unidos reduz-lhes os lucros reportados em espantosos 25%.
Por que a Standard & Poor's -como Warren Buffett, Alan Greenspan e quase todos os demais economistas financeiros sérios- acredita que as normas contábeis atualmente em vigor exigem uma séria reforma? E, se essa reforma é necessária, por que o governo não a está realizando? Por que a Standard & Poor's considera que deve executar o trabalho por conta própria?
Para entender o absurdo das regras atuais, basta considerar as opções de ações. Um executivo tem o direito de adquirir ações de sua empresa, a um preço predeterminado, em algum momento do futuro. Se as ações subirem, ele as estará comprando a preço de banana. Se caírem, ele não exerce sua opção. Na pior das hipóteses ele não perde coisa alguma; na melhor, ganha muito dinheiro.
No entanto, de acordo com as normas contábeis aceitas pelo governo federal, esse tipo de transação tem custo zero para os empregadores, desde que o preço de garantia das ações não esteja abaixo do preço de mercado das ações no dia em que a opção for concedida. Evidentemente, isso ignora o aspecto de "cara eu ganho, coroa você perde": os executivos recebem uma parcela dos ganhos dos investidores caso as coisas transcorram bem, mas não compartilham dos prejuízos se elas derem errado. As empresas literalmente adotam um padrão duplo: deduzem o custo dessas opções de sua receita tributável, embora neguem que elas tenham qualquer custo em seus balanços.
Assim, como admitir que é sensato ignorar o custo das opções? Os defensores do sistema atual argumentam que as opções de ações fazem com que os interesses dos executivos e os dos investidores se alinhem. Mesmo que isso fosse verdade, não justificaria ignorar o custo, da mesma forma que não faria sentido negar que salários, o incentivo dado aos trabalhadores, são uma despesa operacional. Além do mais, tornou-se claro agora que as opções de ações, longe de induzirem os executivos a servir aos acionistas de forma confiável, muitas vezes criam incentivos perversos. Na pior das hipóteses, recompensam regiamente os administradores que dirigem suas companhias para maximizar os ganhos de curto prazo; os executivos da Enron e de muitas outras empresas enriqueceram graças à alta dos preços das ações de seus grupos, que mais tarde desabaram.
As opções são apenas uma das partes do sistema contábil que enfrenta grandes problemas. É evidente que uma séria reforma é necessária. E tenham em mente que essa não é uma questão que possamos definir em termos de esquerda e direita; trata-se de proteger os investidores -os de classe média e os mais prósperos igualmente- contra a exploração praticada por detentores de informações e poder decisório privilegiados. Assim, quem rejeitaria a necessidade de mudança?
Harvey Pitt, o advogado egresso do setor de auditoria que comanda a Securities and Exchange Commission (agência que fiscaliza os mercados de valores mobiliários), vem tentando retardar a reforma. E o chefe dele, George W. Bush, declarou-se adversário de tratar as opções de ações como despesa empresarial. Não seria interessante, só para variar, vermos o governo Bush se opondo aos interesses de uma elite privilegiada?
Alguns políticos percebem o problema. John McCain e Carl Levin apresentaram projetos de lei de reforma dos padrões contábeis norte-americanos. Mas parece improvável que o governo tome medidas rápidas para corrigir os problemas de regras ineficientes.
Blitzer, da Standard & Poor's, lembra que, em momentos passados de escândalo nas grandes empresas, "legisladores e promotores públicos assumiram a liderança em debelar as preocupações públicas sobre os mercados". É um comentário triste sobre a liderança atual que, desta vez, ele acredite que lhe caiba cuidar do trabalho por conta própria.


Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA). Este artigo foi originalmente publicado pelo jornal "The New York Times".

Tradução de Paulo Migliacci


Texto Anterior: Opinião Econômica - Gesner Oliveira: Alarmismo sobre a dívida
Próximo Texto: Guerra comercial: Japão sobretaxa aço dos EUA em 100%
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.